31 dezembro 2014

Breve biografia de Robert L. Dabney

Morton H. Smith

Robert L. Dabney foi um presbiteriano sulista que viveu durante o século XIX. Archibald Alexander, o fundador do Princeton Theological Seminary, disse que ele foi “o melhor professor de teologia dos Estados Unidos, se não do mundo.” O seu biógrafo Thomas Carey Johnson disse a seu respeito em The Life and Letters of Robert Lewis Dabney (1903), que ele foi o primeiro a receber o título de “o primeiro entre os pensadores escritores teológicos do seu século.”

Como um homem que desfrutava de tal reputação entre os seus próprios contemporâneos não é de se admirar que Dabney fosse considerado o mais influente homem da Igreja Presbiteriana do Sul[1] durante o auge de seu ministério, entre 1865 a 1895.

Dabney era natural da Virginia, nascido no condado de Louisa, em 1820. Era descendente de ingleses e huguenotes franceses. Foi educado em Hampden Sydney College, Virginia, na University of Virginia e, no Union Theological Seminary, em Hampden Sydney; foi ordenado ao ministério da Igreja Presbiteriana em 1847. Exerceu os seus primeiros anos de sua vida ministerial na histórica Tinkling Springs Church no vale da Virginia. Em 1853 foi convidado para lecionar na cátedra de História e Política Eclesiástica no Union Theological Seminary. Em 1859 foi transferido para o Departamento de Teologia Sistemática. Em 1860 recebeu um convite para juntar-se à faculdade do Princeton Theological Seminary. Mas, devido à sua fidelidade ao Sul, preferiu não ir para o Norte dos EUA naquele período. Durante a Guerra Civil dos Estados, serviu por um período como capelão do Exército Confederado, e depois como chefe de assistência ao General T.J. (Stonewall) Jackson, com o posto oficial de major. Serviu com Jackson durante a rigorosa Campanha do Vale em 1862. Jackson disse a seu respeito que ele foi o mais eficiente oficial que havia conhecido. Depois da morte do General Jackson, em Maio de 1863, Dabney foi solicitado pela sra. Jackson que preparasse uma biografia do General. Ela foi publicada em 1866 sob o título de The Life and Campaigns of Lieutenant General Thomas J. Jackson (Stonewall Jackson). Esta obra foi considerada como a melhor biografia do General Jackson, e permanece como uma das maiores produções literárias de Robert L. Dabney.

Terminada a guerra, Dabney retornou ao Union Seminary e, continuou ensinando na área de Teologia Sistemática até 1883. Então, ele se mudou para o Texas, onde se tornou professor na nova faculdade da University of Texas, na cadeira de Filosofia Mental e Moral e Economia Política. Ensinou nesta universidade de 1883 à 1894. Durante este mesmo período em campanha com o Rev. Robert K. Smoot, organizaram a Austin School of Theology, que posteriormente tornou-se a Austin Presbyterian Theological Seminary. Morreu em Victoria, Texas, em 3 de Janeiro de 1898, e foi sepultado em Hampden Sydney, Virginia.

Dabney foi antes de tudo um mestre. A sua principal realização foi em sala de aula, onde sempre afirmou, com intensidade e vigor, os princípios da fé reformada. Também foi um fértil escritor produzindo inúmeros artigos em várias publicações. Em acréscimo à vida de Jackson, escreveu A Defense of Virginia (and through her of the South) in the recent and pending contests against the sectional party (1967). Em 1870, produziu um livro sobre pregação com o título de Sacred Rhetoric.[2] A presente obra foi inicialmente publicada pelos alunos de Dabney sob o título de Syllabus and Notes of the Course of Systematic and Polemic Theology[3] conforme ensinado no Union Theological Seminary, Virginia (1878). Esta obra foi revisada pelo autor e reimpressa em 1878. Ela envolveu seis edições sendo a última em 1927. Escreveu também dois volumes na área de Filosofia: The Sensualistic Philosophy of the Nineteenth Century (1875) e Practical Philosophy (1896).

O presente volume foi inicialmente publicado pelos alunos, com a sua autorização. Posteriormente, ele o revisou e levou ao seu formato final. Este volume reflete o seu melhor estilo de ensinar teologia. Thomas Carey Johnson, o seu biógrafo, descreve-o assim:
duas aulas eram dedicadas à cada tópico, separadas pelo intervalo de dois dias. No término do segundo encontro, a classe colocava no quadro-negro um programa dos próximos tópicos para que fosse entregue. A condução dos pontos no tópico era exposta em forma de perguntas, e quais autores tratavam daquele ponto específico. A referência mais importante era escrito primeiro, o seguinte mais importante, e etc., e os estudantes eram obrigados a ler o máximo que eles conseguissem. O livro-texto usado era o compêndio de teologia do Francis Turrentin, em latim.[4] No encontro seguinte ele prosseguia com uma recitação de Turrentin, abrangendo cerca de dez ou doze páginas. Os alunos eram obrigados, durante o segundo intervalo de dois dias, a escrever cada uma de suas próprias teses sobre o tópico. No segundo momento da reunião, ele se detinha em entregar à classe a sua própria preleção sobre o mesmo tópico. Este programa e preleções compunham a principal parte de sua obra teológica (p. 196).

Na nota original aos leitores sobre a obra foi aludido que as preleções assumiam “como um postulado determinado por outro departamento no Seminário, a inspiração e infalibilidade das Escrituras.” A sequência geral de todo o conteúdo do manual é aquela da Confissão de Fé de Westminster. É lamentável que não tenhamos do próprio Dabney, o desenvolvimento da doutrina da inspiração da Escritura. Mas, encontramos na página 144, a sua posição declarada de modo inequívoco “eu defendo que as Escrituras são, em todas as suas partes, plenamente inspiradas... isto tem determinado, e podemos assumi-la como inspirada e infalível.”

Esta obra foi mantida como livro-texto de Teologia Sistemática no Union Theological Seminary na Virginia até 1930. Ela é uma vigorosa e didática exposição da fé reformada. O leitor não encontrará simplesmente a reafirmação de antigas verdades, mas a ampliação dos problemas que algumas vezes envolvem aquelas verdades. Esta obra é digna de ser estudada por todos os que desejam entender o Evangelho e suas implicações mais plenas.

A influência de Dabney foi fortemente percebida entre os presbiterianos sulistas. Este volume, como já observamos, tornou-se o livro-texto de Teologia Sistemática nos Seminários do Sul. Ele foi considerado por Auguste Lecerf da França em sua Introduction to Reformed Dogmatics, e por Herman Bavink, dos Países Baixos, em sua Gereformeerde Dogmatiek[5] como estando entre os excelentes teólogos da América.

Num período em que a igreja certamente precisa de uma voz tão clara acerca de sua teologia, creio que não há obra melhor do que a de Robert L. Dabney, a ser reproduzida e entregue à nossa geração. Desejo que esta republicação da Teologia Sistemática de Dabney seja apresentada com renovado interesse no estudo e propagação da fé reformada.[6]

NOTAS:
[1] Presbyterian Church in United State – PCUS.
[2] Publicado e pode ser adquirido pela The Banner of Truth.
[3] A tradução deste artigo foi extraída de uma edição da Zondervan Publishing House, que está esgotada, mas pode ser adquirida usada pelo site da Amazon, entretanto, a The Banner of Truth assumiu a sua publicação.
[4] Francis Turrentin, Instituto theologiae elenticae. Traduzido e publicado com o título de Compêndio de Teologia Apologética, em 3 volumes, pela Editora Cultura Cristã.
[5] Herman Bavink, Gereformeerde Dogmatiek. Traduzido e publicado sob o título de Dogmática Reformada, em 4 volumes, pela Editora Cultura Cristã.
[6] Seria de grande proveito se alguma editora brasileira publicasse este manual de teologia sistemática.


O Dr. Morton H. Smith foi professor de Teologia Sistemática no Reformed Theological Seminary, Jackson e, posteriormente no Greenville Presbyterian Theological Seminary, onde se aposentou. Ele é o autor de um precioso manual de Systematic Theology, em 2 volumes, publicado pela Press GPTS. Tive o privilégio de receber um exemplar do próprio autor.
Este artigo foi escrito em 20 de Julho de 1971, Jackson, Mississippi.

Extraído de Robert L. Dabney, Lectures in Systematic Theology (Grand Rapids, Zondervan Publishing House, 1980), in: Preface to 1972 Edition.
Tradução e notas por Rev. Ewerton B. Tokashiki [revisado em 31/12/2014].

27 dezembro 2014

A heresia de Auburn


Escrito por Gordon H. Clark

Quando futuros historiadores da Igreja avaliarem a presente época, a publicação da Auburn Affirmation[1] se destacará em importância do mesmo modo que Lutero quando fixou as suas noventa e cinco teses. Todavia, será importante por uma razão diferente.

A razão pela qual a Auburn Affirmation é tão importante é que se trata de uma grande ofensiva contra a Palavra de Deus.[2] É, ou pelo menos a sua teologia foi, a raiz de apostasia presbiteriana.[3]

As autoridades da Igreja Presbiteriana nos EUA espalharam o boato de que não há nada doutrinário envolvido Auburn Affirmation. Este rumor, independentemente da sua origem, é falso. É verdade que a Auburn Affirmation é um documento escrito de modo inteligente, com uma fraseologia piedosa, que ligeiramente obscurece a sua real intenção. Mas uma vez que se percebe exatamente o que diz, não há como disfarçar o fato de que é um ataque vicioso contra a Palavra de Deus.

As cinco doutrinas envolvidas são a verdade da Sagrada Escritura, a realidade do nascimento virginal de Cristo, seus milagres, o seu sacrifício no Calvário para satisfazer a justiça divina e nos reconciliar com Deus, e por último, a sua ressurreição física.[4]

O verdadeiro propósito do documento é parcialmente obscurecido porque afirma que alguns dos signatários acreditam em algumas destas doutrinas. Isso é verdade. Alguns dos apoiadores acreditam em alguns pontos declarados, mas, todos eles negam a infalibilidade das Escrituras Sagradas.[5] Todos eles afirmam que a base da Confissão de Westminster é prejudicial e que a Bíblia contém erro. Este ataque contra a Bíblia é de fundamental importância porque, obviamente, se a Bíblia ser rejeitada, por que a religião da Bíblia seria mantida? De fato, você não pode rejeitar a veracidade das Escrituras e, em seguida, aceitar o conteúdo das Escrituras.

Uma vez que este ponto demonstre ser tão grave, a evidência não deve ser omitida. Na página cinco da Auburn Affirmation você pode ler estas palavras: “Não há nenhuma afirmação nas Escrituras que os seus escritores foram ‘livres de erro’. A Confissão de Fé não faz essa afirmação ... . A doutrina da infalibilidade que destina-se a reforçar a autoridade das Escrituras, de fato prejudica a sua autoridade sobre a fé e de vida, e enfraquece o testemunho da Igreja para o poder de Deus na salvação através de Jesus Cristo. "

Agora note este estranho fato. A Auburn Affirmation afirma que crer na Bíblia na verdade prejudica a sua autoridade e enfraquece o testemunho da Igreja. Ou, em outras palavras, a fim de que a Bíblia seja autoridade, ele deve conter erro; e, sem dúvida, quanto mais errada ela for, mais autoridade ela poderá ser.

Mas o que a Confissão de Westminster quer dizer? No Capítulo I, Seção 4, você pode ler que: “A autoridade da Escritura Sagrada, razão pela qual deve ser crida e obedecida, depende ... por completo somente de Deus (que é a própria verdade) o seu autor; e, portanto, deve ser recebida, porque é a Palavra de Deus.”

Estudando também o Capítulo XIV, Seção 2 lemos que “Por isso, pela fé [salvadora], um cristão crê ser verdade tudo o que é revelado na Palavra, pela autoridade do próprio Deus que fala ...”.

A Auburn Affirmation diz que é errado e prejudicial acreditar ser verdade tudo quanto nela é revelado. Assim, os signatários da Auburn Affirmation são vistos como antagônicos para o próprio fundamento da fé cristã. Ao negar a verdade da Bíblia, eles repudiam a sua própria confissão, e por isso não têm lugar legítimo no ministério presbiteriano. Será que eles responderiam que concordam com a Confissão de Westminster de que a Escritura é a Palavra de Deus, e que eles apenas negam que a Escritura é inerrante? Deus não permite que eles deem essa resposta. Porque, se eles dizem que acreditam que a Bíblia é a Palavra de Deus, e ao mesmo tempo alegam que a Bíblia contém erros, segue-se, não é verdade então, que eles chamam Deus de mentiroso, já que ele tem falado falsamente. Ou, eles repudiam abertamente a Confissão de Westminster, ou então, eles têm chamado Deus de mentiroso. Em ambos os casos, não têm lugar legítimo no ministério presbiteriano.

A Auburn Affirmation é mais generosa para com os outros quatro pontos. O nascimento virginal, os milagres, a ressurreição, que presbiterianos ortodoxos consideram como fatos históricos, os proponentes da declaração consideram como teorias permitidas.

Depois de se referir aos cinco pontos enfatizados pela Assembleia Geral de 1923, na página seis, a Auburn Affirmation declara:

... este parecer da Assembleia Geral intenciona promover em nossa Igreja alguma teorias sobre a inspiração da Bíblia, Encarnação, Expiação, Ressurreição .... Alguns de nós consideramos as teorias específicas contidas nas deliberações da Assembleia Geral de 1923, como explicações satisfatórias de tais fatos e doutrinas. Todavia, estamos unidos na crença de que estas não são as únicas teorias permitidas pelas Escrituras e pelos nossos padrões como explicações sobre esses fatos e doutrinas de nossa religião, e que todos os que defendem a estes fatos e doutrinas, ou quaisquer outras teorias que podem recorrer para explicá-las, também são dignos de toda a confiança e comunhão.

Agora, para ser concreto, qual “teoria” que não seja o fato histórico do nascimento virginal você poderia pensar para explicar a encarnação? Há um que o Celsus[6] anticristão usou em seu esforço para difamar Cristo. Se Cristo não teve um nascimento virginal, e se, como José e Maria reivindicam, José não foi o pai de Jesus, então, de quem ele foi filho? Será que a Auburn Affirmation realmente quer dizer que alguém que aceita este ponto de vista do nascimento de nosso Senhor é digno de toda confiança e comunhão? Isso é exatamente o que significa a Auburn Affirmation. Ela diz definitivamente que os ministros são dignos de confiança "independente das teorias que possam ser empregadas para explicar" a Encarnação.

Em seguida considere a morte sacrificial de Cristo pela qual ele satisfaz a justiça divina e nos reconcilia com Deus. Isto, também, é declarado como não essencial, e os cristãos são convidados a colocar a confiança nos homens que negam esta doutrina, desde que eles usem a palavra "expiação" podem empregar qualquer teoria aleatória para explicá-la. A morte de Cristo, então, pode ser nada além do que um exemplo, e nossa salvação pode depender de nossos esforços para imitar as suas boas obras. Já não será totalmente salvação pela graça. E nos dizem que estes homens são dignos de confiança "independente das teorias que possam ser empregadas para explicar" a Expiação.

Ainda há tempo para se referir brevemente sobre a ressurreição? Esta também é reduzida a uma teoria permitida, mas não essencial. Os signatários da Auburn Affirmation podem ter em mente alguma teoria de uma ressurreição espiritual em oposição ao fato de que Cristo ressuscitou dos mortos com o mesmo corpo com que ele padeceu. Os proponentes da Auburn Affirmation, por um lado, podem sustentar algum tipo de ressurreição espiritual; mas, por outro lado, Jesus Cristo disse: “toque-me e vede, pois um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho.” Aparentemente, Jesus não teria escolhido assinar a Auburn Affirmation. Os signatários da Auburn Affirmation dizem que a ressurreição corporal que é o único tipo de ressurreição que vale a pena falar - não é essencial. Mas Paulo diz: "Se Cristo não ressuscitou, logo, é vã a nossa pregação, e a sua fé também é vã." Você notará que o nome de Paulo não estaria entre os signatários da Auburn Affirmation. Não, você não encontraria Paulo nos pedindo para confiar em homens “independente das teorias que possam ser empregadas para explicar”, ou melhor, para explicar a ressurreição.

Então, se a Auburn Affirmation fosse assinada por apenas duas ou três pessoas, ainda assim seria dever dos presbiterianos pedir-lhes que se arrependessem e retratassem, ou, ainda de removê-los do ministério. Se apenas dois ou três tivessem assinado, haveria pouca razão para alarme. Mas, o fato foi que 1.300 ministros da PCUSA assinaram este documento herético. E, no entanto, este número, grande como é, por si só não revela o significado completo da situação. É preciso ver também em que medida esse tipo de teologia controla as Juntas e Agências da Presbyterian Church of USA. De tempos em tempos tem havido listas preparadas por proponentes pertencentes da Auburn Affirmation que ocupam cargos de responsabilidade na estrutura eclesiástica. Estas posições incluem os presidentes de Presbitérios, de Sínodos, e da Assembleia Geral; diretores de seminários; de uma só vez 22 membros da Junta de Missões Nacionais se tornaram proponentes desta declaração; e assim por diante através dos vários cargos importantes na Presbyterian Church of USA.

Mas nem mesmo esta lista de posições indica a depravação total daquela igreja. Perceba também que existem inúmeros outros titulares de cargos que, embora ainda não assinaram a Auburn Affirmation, aprovam os seus princípios, e, longe de protestar contra ele, alegremente cooperam com os seus apoiadores no trabalho dos vários conselhos e agências. Tente mencionar qualquer secretário de qualquer conselho, mencione qualquer oficial que tentou defender a Palavra de Deus contra este ataque de Auburn. Ninguém poderia ser nomeado; não há nenhum; cooperam com os proponentes, aprovando as mesmas políticas, e têm, pois, a sua posição contra as Sagradas Escrituras e contra a Confissão de Westminster que juraram defender.

Além desses oficiais há aqueles que cooperam com os signatários da herética Auburn Affirmation, são os ministros que aceitam as suas decisões a partir de suas regiões, que em seus Presbitérios votam regularmente com este partido que desonra a Bíblia. É que eles não assinaram o documento, mas eles votaram os seus princípios em vigor e baniram os ortodoxos de sua denominação. Tente mencionar qualquer ministro que tenha feito qualquer tentativa séria e pública, para disciplinar os signatários da herética Auburn Affirmation. Quando foi que alguém na Presbyterian Church of USA ouviu um sermão defendendo a expiação e a ressurreição contra este ataque? Que ministro trouxe a matéria para que fosse discutida em seu Presbitério?

Há alguns anos que os modernistas falam a favor de uma igreja inclusiva. A igreja, segundo eles, é grande o suficiente para incluir todos os partidos teológicos. Hoje, no entanto, eles mudaram o tom. Eles excomungaram grupo o ortodoxo. Os oficiais proponentes e seus apoiadores decretaram que aqueles que permaneceram fiéis à Palavra de Deus, aqueles que se opuseram à Assembleia Geral de colocar a sua própria autoridade superior à da Bíblia, aqueles que não obedeceram a uma ordem para apoiar o modernismo, aqueles que tomaram os seus votos de ordenação a sério, tinham que ser expulsos da igreja.

A mais importante destas expulsões foi a do falecido J. Gresham Machen.[7] Ele foi acusado de desobedecer a uma ordem legal e de dizer mentiras sobre o Conselho de Missões Estrangeiras. Ele foi levado a julgamento. Ele queria se defender, argumentando que a decisão de apoiar o modernismo era ilegal, e que o que ele tinha dito sobre a Junta de Missões Estrangeiras era verdade. Era para ser um julgamento judicial, mas seus juízes absolutamente recusaram-lhe o direito de apresentar a sua defesa. Na Comissão Judicial Permanente, que fez disposição final de seu caso, metade destes ministros eram signatários da Auburn Affirmation. Não nos causa admiração que os cristãos que criam na Bíblia foram expulsos da Presbyterian Church of USA.

Esta, então, em suma, é a situação do por que cristãos conservadores devem se unir. Porventura a verdade da Bíblia seria sustentada, ou ordenaria apoiar o modernismo para que se tornasse a autoridade suprema sobre a consciência dos homens? Esta não é uma questão trivial; é sim uma luta de vida e morte entre duas religiões que se excluem mutuamente. Uma religião poderia, sem ofensa à sua integridade, rejeitar a infalível Palavra de Deus, negar o nascimento virginal, repudiar o sacrifício propiciatório de Cristo, e negar a ressurreição. Uma religião permaneceria completa mesmo que todas estas coisas fossem eliminadas; mas esta religião não seria o Cristianismo.[8]

A outra religião é o Cristianismo porque ele aceita a Bíblia como a própria Palavra de Deus, que não pode mentir, porque faz com que o sacrifício de Cristo satisfaça a justiça divina, sendo a única base de salvação, e porque ela enaltece o fato histórico da ressurreição.

NOTAS:
[1] Gordon H. Clark se refere ao que foi originalmente um documento sob o título de “The Affirmation” publicado e assinado primeiramente por 150 ministros em Janeiro de 1924, e posteriormente sob o título de The Auburn Affirmation subscrito por 1274 oficiais da Presbyterian Church of USA.
[2] O texto integral de The Auburn Affirmation - http://www.pcahistory.org/documents/auburntext.html acessado em 27 de Dezembro de 2014.
[3] Segundo A.H. Freundt “sem negar as doutrinas específicas, a Auburn Affirmation se opunha ao empenho de fazer os cinco pontos um teste para ordenação ou ortodoxia. Elas deveriam ser consideradas apenas teorias acerca dos fatos ou doutrinas, em relação a outras possíveis explicações ou teorias que poderiam ser aceitas, se deduzidas da Escritura e dos padrões presbiterianos.” D.G. Hart, ed., Dictionary of the Presbyterian & Reformed Tradition in America (Phillipsburg, P&R Publishing, 1999), pp. 23.
[4] O grupo dos 150 pastores teologicamente liberais se reuniram em Auburn, New York e, produziram uma declaração repudiando os Five Point Deliverance da Assembleia Geral de 1910 que afirmava o que eram os pontos doutrinários essenciais e necessários para a ortodoxia reformada histórica. Veja* A.H. Freundt, “Auburn Affirmation (1924)” in: D.G. Hart, ed., Dictionary of the Presbyterian & Reformed Tradition in America (Phillipsburg, P&R Publishing, 1999), pp. 22-23.
[5] W.A. Hoffecker observa que A.A. Hodge “reafirmou a sua visão sobre inerrância num artigo chamado ‘Inspiração’, escrito em parceria com Benjamin B. Warfield, em 1881, para a Presbyterian Review. A sua denominação adotou a visão de Princeton acerca da Bíblia como o seu oficial ensino na Portland Deliverance (1892) e no Five Point Deliverance (1910), que influenciou o debate Fundamentalista-Modernista”. W.A. Hoffecker, “Hodge, A.A. (1823-1886)” in: D.G. Hart, ed., Dictionary of the Presbyterian & Reformed Tradition in America (Phillipsburg, P&R Publishing, 1999), p. 120.
[6] Sobre este assunto recomendo o artigo de Carolline da Silva Soares, “VIDA E OBRA DO FILÓSOFO PAGÃO CELSO” in: Alétheia Revista de Estudos sobre Antiguidade e Medievo – Volume 1/1, 2013.
[7] Para um excelente resumo deste caso é recomendada a leitura do artigo de D. Clair Davis, “Machen and Liberalism” in: Charles G. Dennison & Richard C. Gamble, eds., Pressing toward the mark – essays commemorating fifty years of the Orthodox Presbyterian Church – 1936-1986 (Philadelphia, The Committee for the Historian of the Orthodox Presbyterian Church, 1986), pp. 247-258.
[8] A.H. Freundt concluí que “a Assembleia Geral de 1924 abriu o caminho para o maior pluralismo teológico ao declarar que o presbiterianismo admite uma diversidade de concepções”. “Auburn Affirmation (1924)” in: D.G. Hart, ed., Dictionary of the Presbyterian & Reformed Tradition in America (Phillipsburg, P&R Publishing, 1999), pp. 23.


SOBRE O AUTOR:
Dr. Gordon H. Clark quando escreveu este artigo era presbítero na Orthodox Presbyterian Church, sendo anteriormente um presbítero na Presbyterian Church of USA. Este foi o resumo de um discurso proferido, no dia 28 de Fevereiro de 1935, numa reunião de presbiterianos Leigos da Filadélfia e arredores, e posteriormente publicado em forma de folheto pela Comissão de Educação Cristã da Orthodox Presbyterian Church.


Acessado em 21 de Dezembro de 2014 de http://opc.org/cce/clark.html
Traduzido em 24 de Dezembro de 2014.
Tradução e notas por Rev. Ewerton B. Tokashiki

19 dezembro 2014

Eu creio nos 5 solas da Reforma

Somos uma igreja herdeira da Reforma protestante do século XVI. Os 5 pilares da nossa herança são:
Sola Scriptura: somente a Escritura Sagrada
Solus Christus: somente em Cristo
Sola gratia: somente a graça
Sola fide: somente a fé
Soli Deo gloria: somente a Deus toda glória

1. Somente a Escritura Sagrada: é a nossa única fonte e regra de fé e prática
O calvinismo possui o seu sistema doutrinário centrado na Escritura Sagrada. Desde a Reforma do século XVI foi ensinada a doutrina da sola Scriptura – ou seja, que a Escritura é a única fonte e regra de autoridade. Entretanto, a autoridade da Escritura resultado do fato dela ser a Palavra de Deus. John H. Armstrong corretamente observa que “a autoridade é encontrada no próprio Deus soberano. O Deus que ‘soprou’ as palavras por meio dos escritores humanos está por trás de toda afirmação, toda doutrina, toda promessa e toda ordem contidas na Escritura”.[1] Se rejeitarmos a Escritura Sagrada estamos desprezando a vontade preceptiva de Deus.

A Bíblia tem autoridade porque ela é revelação da vontade de Deus. Por isso, “as inspiradas Escrituras, revelando a vontade transcendente de Deus em forma escrita e objetiva, são a regra de fé e conduta através da qual Jesus exerce sua autoridade divina na vida do crente.”[2] Em outras palavras, esta doutrina significa que a base da nossa doutrina, forma de governo de igreja, culto e todas as esferas da vida, não se fundamentam no tradicionalismo, no subjetivismo, no relativismo, no pragmatismo, ou no pluralismo, mas é extraída somente na Escritura Sagrada. Cremos que suficientemente ela é a verdade absoluta, porque somente a Escritura é a Palavra de Deus (2 Tm 3:16-17; 2 Pe 1:19-20).

2. Somente Cristo: o único mediador da nossa salvação
O nosso Senhor Jesus se fez um de nós para ser o nosso substituto. Ele é o nosso único representante diante de Deus. O Pai firmou o pacto da redenção que estipulava que o Filho viesse ao mundo para cumprir a sua vontade (Jo 4:34; 6:38-40; 10:10). A Confissão de Fé de Westminster declara que
aprouve a Deus em seu eterno propósito, escolher e ordenar o Senhor Jesus, seu Filho Unigênito, para ser o Mediador entre Deus e o homem, o Profeta, Sacerdote e Rei, o Cabeça e Salvador de sua Igreja, o Herdeiro de todas as coisas e o Juiz do Mundo; e deu-lhe desde toda a eternidade um povo para ser sua semente e para, no tempo devido, ser por ele remido, chamado, justificado, santificado e glorificado.[3]

Não temos outro mediador pelo qual possamos ser reconciliados com Deus, a não ser Jesus Cristo (At 4:11-12; 1 Tm 2:5). A sua obra lhe confere autoridade para declarar justo todos quantos o Pai lhe deu (Jo 6:37,39,65). Toda a obra expiatória de Jesus é suficiente para a nossa salvação (Rm 8:1). Somente através da perfeita obra de Cristo seremos salvos. A nossa culpa e merecida condenação caiu sobre ele (Hb 2:10). A sua obediência ativa cumpriu todas as exigências da Lei, bem como submetendo passivamente à condenação, fez com que pela sua humilhação, obtivesse plena satisfação da justiça de Deus. O Pai retirou o seu consolo e derramou sobre Cristo a sua ira divina, punindo nele o nosso pecado. As nossas iniquidades estavam sobre o Filho, e a justa ira de Deus veio sobre o nosso pecado na cruz (Hb 2:10). Jesus tornou-se amaldiçoado em nosso lugar sobre o madeiro (2 Co 5:21). O Filho de Deus sofreu os tormentos do inferno intensivamente na cruz, o que sofreríamos extensivamente na eternidade. Cremos que a sua morte expiatória na cruz satisfez a justiça de Deus e, eliminou completamente a nossa condenação futura (Rm 3:24-25), redimindo-nos de todos os nossos pecados (Ef 1:7).

3. Somente a graça: a única causa da nossa aceitação
Cremos que a salvação do homem não é resultado de algum mérito pessoal (Rm 3:20, 24, 28; Ef 2:1-10). Todo ser humano possui uma disposição moral totalmente corrompida, de modo que, ele é incapaz de satisfazer perfeitamente a Lei de Deus (Tg 2:8-10). O empenho de merecer a salvação pelas boas obras somente resulta em condenação. Sem a graça a nossa predisposição natural é somente para o pecado (Rm 7:13-25).

A Escritura nos revela que todo ser humano em seu estado natural é inimigo de Deus (Rm 3:23; 5:10). O teólogo puritano Stephen Charnock observou que “todo pecado é uma espécie de amaldiçoar a Deus no coração. O homem tenta destruir e banir Deus do coração, não realmente, mas virtualmente; não na intenção consciente de cada iniquidade, mas na natureza de cada pecado.”[4] A dureza de coração lhe é normal, porque ele está rígido como uma pedra (Ez 36:26-27).

O livre arbítrio perdeu-se com a Queda.[5] Esta capacidade de agir contrário à própria natureza foi perdida com a escravidão do pecado. No início, Adão criado em santidade, foi capaz de escolher contrário à sua inclinação natural de perfeita santidade e, decidiu pecar. O primeiro homem livremente passou a agir de acordo com a escravidão dos desejos mais fortes da sua alma corrompida pela iniquidade. Ele é livre, mas a sua liberdade é usada tendenciosamente para pecar conforme os impulsos de sua inclinação para o pecado. Se ele for deixado para si mesmo, ele sempre agirá de acordo com a sua disposição interna, ou seja, naturalmente escolherá pecar (Rm 1: 24-32; 3:9-18; 7:7-25; Gl 5:16-21; Ef 2:1-3).

A nossa salvação é resultado da ação da livre e soberana graça do nosso Deus. A Confissão de Fé de Westminster declara que
todos aqueles que Deus predestinou para a vida, e só esses, é ele servido, no tempo por ele determinado e aceito, chamar eficazmente pela sua palavra e pelo seu Espírito, tirando-os por Jesus Cristo daquele estado de pecado e morte em que estão por natureza, e transpondo-os para a graça e salvação. Isto ele o faz, iluminando os seus entendimentos espiritualmente a fim de compreenderem as coisas de Deus para a salvação, tirando-lhes os seus corações de pedra e dando lhes corações de carne, renovando as suas vontades e determinando-as pela sua onipotência para aquilo que é bom e atraindo-os eficazmente a Jesus Cristo, mas de maneira que eles vêm mui livremente, sendo para isso, dispostos pela sua graça.[6]

Somente a ação soberana e eficaz do Espírito Santo é capaz de regenerar corações implantando uma nova disposição santa. O resultado é a libertação da escravidão do pecado. Esta obra Deus a realiza pela graça somente.

4. Somente a fé: é o único instrumento de posse da nossa salvação
A fé é o meio normal pelo qual o Espírito Santo aplica o processo da salvação nos eleitos. Entretanto, devemos lembrar que a fé é dom de Deus e não uma virtude humana (Rm 4:5; 10:17; Ef 2:8-9; Fp 1:9). O Breve Catecismo de Westminster define este dom: “fé em Jesus Cristo é uma graça salvadora, pela qual o recebemos e confiamos só nele para a salvação, como ele nos é oferecido no Evangelho.”O Catecismo de Heidelberg esclarece que
a verdadeira fé é a convicção com que aceito como verdade tudo aquilo que Deus nos revelou em sua Palavra. É também a firme certeza de que Deus garantiu – não só aos outros como também a mim – perdão de pecados, justiça eterna, e salvação por pura graça e somente pelos méritos de Cristo. O Espírito Santo realiza essa fé em meu coração por meio do evangelho.[7]

Por isso, a teologia reformada entende que a verdadeira fé é o resultado de um iluminado conhecimento, da plena concordância verdade e da firme confiança na Palavra de Deus.

A justificação vem pela fé somente na obra de Cristo. Nenhum homem pode ser salvo, a não ser que creia na expiação realizada por Cristo, confiando exclusivamente nele (Rm 1:17; Tt 3:4-7; 1 Jo 5:1). A justiça de Cristo que é imputada sobre nós concede, garante e mantém-nos aceitos na comunhão eterna de Deus.

A verdadeira fé conduz as boas obras que evidenciam a salvação e glorificam a Deus. A salvação é pela fé somente, mas a fé salvadora nunca está sozinha. A fé salvadora produz amor prático ao próximo, santidade pessoal em obediência à Palavra de Deus. A Escritura Sagrada declara que “pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas” (Ef 2:10).

5. Somente a Deus toda glória: o único objetivo da nossa salvação
Cremos no único Deus, que é Senhor da história e do universo, “que faz todas as coisas segundo o conselho da sua vontade” (Ef 1:11). É nossa convicção que a finalidade principal da vida não é necessariamente o bem-estar, a saúde física, a prosperidade, a felicidade, ou mesmo a salvação do homem, mas, a glória de Deus e na manifestação de todos os seus atributos. Johannes G. Vos comentando o Catecismo Maior de Westminster observa que “quem pensa em gozar a Deus sem o glorificar corre o risco de supor que Deus existe para o homem, e não o homem para Deus. Enfatizar o gozar a Deus mais do que o glorificar a Deus resultará num tipo de religião falsamente mística ou emocional.”[8] Deus não existe para satisfazer as necessidades do homem, embora ele o faça por amor de si mesmo (Ez 20:14). O homem foi criado para o louvor da glória de Deus (Rm 11:36; Ef 1:6-14).[9]

É verdade que a glória de Deus transcende ao nosso entendimento, mas ela pode ser percebida pela sua manifestação na criação e pela revelada Palavra da Deus. João Calvino no início de suas Institutas escreve que
a soma total da nossa sabedoria, a que merece o nome de sabedoria verdadeira e certa, abrange estas duas partes: o conhecimento que se pode ter de Deus, e o de nós mesmos. Quanto ao primeiro, deve-se mostrar não somente que há um só Deus, a quem é necessário que todos prestem honra e adorem, mas também que Ele é a fonte de toda verdade, sabedoria, bondade, justiça, juízo, misericórdia, poder e santidade, para que dele aprendamos a ouvir e a esperar todas as coisas. Deve-se, pois, reconhecer, com louvor e ação de graças, que tudo dele procede.[10]

Mas, por que a nossa felicidade depende da glória de Deus? Simplesmente porque a nossa dignidade e satisfação dependem de vivermos sem a insensatez, vícios e destruição causados pelo pecado. Somente quando obedecemos à vontade de Deus, segundo as Escrituras, podemos andar aceitáveis em sua presença e desfrutar dos benefícios das suas promessas. Aurélio Agostinho em sua obra Confissões declarou que “Tu o incitas para que sinta prazer em louvar-te; fizeste-nos para ti, e inquieto está o nosso coração, enquanto não repousa em ti.”[11] Assim, quanto maior for a nossa satisfação em Deus, ele será mais glorificado em nós!

O soberano Senhor não compartilha a sua glória com ninguém! O nosso orgulho é uma ofensa gravíssima ao nosso Deus. Não é em vão que ele denúncia a sua rejeição aos soberbos (Tg 4:6-10). Somente ele é o Altíssimo, enquanto o pecador consegue em suas fúteis pretensões ser apenas uma ilusória altivez. Não podemos esquecer de que somos chamados para ser servos do seu reino, e de que toda a abrangência de nossa vida está ao seu serviço (Rm 11:36).

O profeta Jeremias disse que "assim diz o SENHOR: não se glorie o sábio na sua sabedoria, nem se glorie o forte na sua força; não se glorie o rico nas suas riquezas; mas o que se gloriar, glorie-se nisto: em entender, e em me conhecer, que eu sou o SENHOR, que faço benevolência, juízo e justiça na terra; porque destas coisas me agrado, diz o SENHOR." (Jr 9:23-24). Assim, em compromisso, confessamos que “porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém.” (Rm 11:36).

NOTAS:
[1] John H. Armstrong, “A autoridade da Escritura” in: Bruce Bickel, ed., Sola Scriptura numa época sem fundamentos, o resgate do alicerce bíblico (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2000), p. 90.
[2] Carl F.H. Henry, “A autoridade da Escritura” in: Philip W. Comfort, ed., A origem da Bíblia (Rio de Janeiro, CPAD, 1998), p. 28.
[3] Confissão de Fé de Westminster VIII.1.
[4] Stephen Charnock, The Existence and the Attributes of God (Grand Rapids, Baker Books, 2000), vol. 1, p. 93.
[5] A tradição agostiniana/calvinista interpreta a doutrina do livre arbítrio da seguinte forme: “o livre arbítrio é dividido em quatro modos, por causa dos quatro estados do homem. No primeiro estado a vontade do homem era livre para o bem e para o mal. No estado caído o homem é livre somente para o mal. O homem nascido de novo, ou o homem em estado de graça, é livre do mal e para o bem, pela graça de Deus somente, mas imperfeitamente. No estado de glória ele será perfeitamente livre do mal para o bem. No estado de inocência o homem era capaz de não pecar [posse non peccare]. No estado de miséria ele é incapaz de não pecar. No estado de graça, o pecado não pode governar o homem. No estado de glória ele se tornará incapaz de pecar.” Johannes Wollebius, Compendium Theologicae Christianae in: John W. Beardslee III, ed., Reformed Dogmatics (Grand Rapids, Baker Books, 1977), p. 65. Este manual de teologia de Wollebius [1586-1629] influenciou os teólogos que elaboraram os Padrões de Westminster.
[6] Confissão de Fé de Westminster, X.1.
[7] Catecismo de Heidelberg, Domingo 7, perg./resp. 21.
[8] Johannes G. Vos, Catecismo Maior de Westminster Comentado (Editora Os Puritanos), pág. 32.
[9] Breve Catecismo de Westminster, perg./resp. 1.
[10] João Calvino, Institutas, (edição estudo de 1541), vol. I, p. 55.
[11] Santo Agostinho, Confissões(Editora Paulus), vol. 10, p. 19.

15 novembro 2014

Por que sou cessacionista?

Escrito por Thomas Schreiner

Não escrevi sobre este assunto por ter a resposta final sobre os dons espirituais, pois a matéria é difícil e cristãos que amam a Deus e a Bíblia, discordam a seu respeito. Os leitores sabem que Sam Storms e eu somos amigos. Amamos um ao outro, embora numa ou outra coisa diferimos acerca de temas secundários ou periféricos, entretanto, ao mesmo tempo sustentamos a importância da verdade. Com o passar dos anos tenho me convencido que alguns dos assim chamados dons carismáticos não são mais concedidos e que eles não tem regular atuação na vida da igreja. Penso que particularmente os dons do apostolado, profecia, línguas, curas, e milagres (bem como o discernimento de espíritos).

Por que alguém pensaria que alguns dos dons foram retirados? Argumentarei que uma leitura se encaixa melhor com a Escritura e a experiência. A Escritura recebe prioridade sobre a experiência, pois ela é a autoridade final, mas a Escritura também precisa estar conectada com a vida, e as nossas experiências nos provocam a reexaminar mais uma vez quando tivermos que ler a Bíblia corretamente. Nenhum de nós lê a Bíblia num vacuum, então, devemos retornar à Escritura repetidamente para certificarmos de que a lemos fielmente.

O fundamento dos apóstolos e profetas

Paulo diz que a igreja é “edificada sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas” (Ef 2:20). Concluo que tudo o que necessitamos conhecer para a salvação e santificação nos foi dado através do ensino dos apóstolos e profetas, e que agora, este ensino encontra-se nas Escrituras. Tendo Deus falado nestes últimos dias através do seu Filho (Hb 1:2), não necessitamos de mais palavras dele para explicar que Cristo consumou em seu ministério, morte e ressurreição. De fato, somos chamados a “batalhar pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos” através dos apóstolos e profetas (Jd 3).

Permita-me colocar de outro modo. Não temos mais apóstolos como Paulo, Pedro, João ou os demais. Eles nos deram o autorizado ensino pelo qual a igreja continua vivendo até este dia, e que é o único ensino que precisaremos até o retorno de Jesus. Sabemos que novos apóstolos não apareceram desde que Paulo especificamente disse que ele era o último apóstolo (1 Co 15:8). E, quando Tiago, o irmão de João, morreu (At 12:2), ele não teve substituto. Os apóstolos, num sentido técnico, são restritos àqueles que viram o Senhor ressurreto e que foram comissionados por ele, e ninguém desde os tempos apostólicos preenche tal critério. Os apóstolos foram únicos a serem apontados para os primeiros dias da igreja a fim de estabelecerem a doutrina ortodoxa. Então, não há mandato para se dizer que atualmente há apóstolos. De fato, se alguém reivindica hoje ser um apóstolo, poderíamos nos preocupar, pois tal exigência abre a porta para o falso ensino e abuso de autoridade.

Se o dom do apostolado encerrou, então, outros dons podem igualmente terem cessado, desde que o fundamento foi estabelecido pelos apóstolos e profetas (Ef 2:20). Concluo deste ponto que o dom de profecia também findou, pois os profetas identificados aqui são do mesmo tipo que mencionados em outros lugares (cf. 1 Co 12:28; Ef 3:5; 4:11). As igrejas primitivas não possuíam o cânon completo ao mesmo tempo, e, portanto, um ministério profético autorizado e infalível era necessário para colocar o fundamento da igreja naqueles primeiros dias.

O argumento bíblico mais significativo contra o que estou dizendo é reivindicar que a profecia do Novo Testamento difere da profecia do Antigo Testamento, dizendo que a profecia do Antigo Testamento é infalível, mas que a profecia do Novo Testamento é misturada ao erro. Todavia, a ideia de que os profetas do Novo Testamento poderiam confundir-se não convence por várias razões: 1) o dever de provar está sobre aqueles que dizem que a profecia no Novo Testamento é de natureza diferente da profecia do Antigo Testamento. Profetas no Antigo Testamento somente eram considerados profetas de Deus se eles fossem infalíveis (Dt 18:15-22), e o mesmo é igualmente verdadeiro no Novo testamento. 2) A admoestação para julgar as profecias dos profetas (1 Co 14:29-32; 1 Ts 5:19-20), muitas vezes, é levado a mostrar que o dom é diferente no Novo Testamento. Mas este argumento não é convincente, pois o único modo de julgar os profetas em ambos os Testamentos é pelas suas profecias. Somente sabemos que profetas são ou não de Deus, se as suas profecias são falsas ou se as suas palavras contradizem o ensino da Escritura. 3) Não temos nenhum exemplo de profeta no Novo Testamento que tenha cometido erro. Ágabo não se confundiu em profetizar que Paulo poderia ser preso pelos judeus e entregue aos romanos (At 21:10-11). Ao dizer que ele errou, exige mais precisão do que profecias exigem. Sendo que, após Paul ser arrastado, ele apelou às palavras de Ágabo, dizendo que ele foi entregue aos romanos pelos judeus (At 28:17), assim, está claro que ele não pensava ter Ágabo feito confusão. Ágabo falou as palavras do Espírito Santo (At 11:28; 21:11), de modo que, não temos exemplo no Novo Testamento de que profetas e suas profecias estavam misturadas com erro.

Alguns contestam que a minha visão de profecia está errada porque existiram centenas e milhares de profecias no tempo do Novo Testamento que nunca foram incluídas no cânon. Mas, esta objeção não convence, pois o mesmo foi verdadeiro no Antigo Testamento. Muitas das profecias de Elias e Eliseu nunca foram escritas ou inclusas na Escritura. Ou, nós podemos pensar dos 100 profetas que foram poupados por Obadias (1 Rs 18:4). Aparentemente nenhuma de suas profecias foi inclusa nas Escrituras. No entanto, todas as profecias foram plenamente verdadeiras e livres de erro, pois, caso contrário, eles não poderiam ter sido profetas (Dt 18:15-22). O mesmo princípio se aplica às profecias dos profetas do Novo Testamento. As suas palavras não foram registradas para nós, todavia, se eles eram verdadeiros profetas, então, as suas palavras eram infalíveis.

O que algumas pessoas atualmente chamam de “profecias” são apenas impressões de Deus. Ele pode usar impressões para guiar e levar-nos, mas elas não são infalíveis e precisam sempre serem provadas pela Escritura. Também poderíamos consultar com sábios conselheiros antes de agir sob tais impressões. Eu amo meus irmãos e irmãs carismáticas, mas o que eles chamam hoje de “profecia” não é de fato o dom bíblico da profecia. Deus concede impressões o que não é a mesma coisa de profecias.

E o que dizer das línguas?

O dom de línguas é um tema um pouco mais difícil. Em Atos (2:1-4; 10:44-48; 19:1-7) este dom significa que o tempo da plenitude chegou quando se realizaram as promessas pactuais de Deus. Os textos de 1 Co 14:1-5 e At 2:17-18 também sugerem que as línguas interpretadas (ou entendidas) são equivalentes a profecia. Então, parece que a profecia e as línguas estão estreitamente relacionadas. Se profecia é algo que passou, então, as línguas igualmente findaram. Deste modo, está claro que em Atos, o dom envolve falar numa língua estrangeira (At 2), e que Pedro enfatiza no caso de Cornélio e seus amigos, que os gentios receberam o mesmo dom que os judeus (At 11:16-17).

Nem persuade ao dizer que o dom em 1 Co 12-14 é de uma natureza diferente (i.e., sons extáticos). A palavra línguas (glōssa) denota um código linguístico, uma linguagem estruturada e não livre vocalização. Quando Paulo diz não entender aqueles que falavam em línguas porque eles falavam mistério (1 Co 14:2), ele não está sugerindo que o dom é diferente daquele que encontramos descrito em Atos. Os que ouviram as línguas em Atos entenderam o que estava sendo falado, porque eles conheciam as línguas que os apóstolos estavam falando. Se ninguém conhece a língua, então o falador da língua permanece em mistério. Nem está 1 Co 13:1 (a língua dos anjos) sustentando a noção de que o dom de línguas consiste de declarações estáticas. Paulo usou de uma hipérbole em 1 Co 13:1-3. Ele estava claramente exagerando quando se refere ao dom de profecia (1 Co 13:2), pois ninguém que profetizava conheceria “todos os mistérios e ciência.”

Creio que o que acontece nos círculos carismáticos, em relação ao dom de línguas, pode-se considerar de modo similar ao que dissemos do dom de profecia. O dom é redefinido ao concluir ser livre vocalização, e com isto as pessoas reivindicam ter o dom descrito na Escritura. Ao fazer isso, eles definem o dom acomodando-o à experiência contemporânea. Assim, são demoníacas as línguas contemporâneas? Eu penso que não. E concordo com J.I. Packer que a experiência é apenas uma forma de relaxamento psicológico.

Milagres e curas

O que dizer acerca dos milagres e curas? Primeiro, creio que Deus poderia curar e realizar coisas miraculosas ainda hoje, e podemos orar por isto. A Escritura não é tão clara sobre este assunto, então, é possível que estes dons ainda existam hoje. A primária função destes dons foi dar credibilidade à mensagem do evangelho, confirmando que Jesus era tanto Senhor como o Cristo. Entretanto, tenho dúvidas de que o dom de milagres e curas ainda exista hoje, pois não é evidente que homens e mulheres em nossas igrejas tenham tais dons. A reivindicação por milagres e curas carece ser verificada, do mesmo modo que as pessoas verificaram a cura do cego em Jo 9. É ordenado um tipo de ceticismo bíblico.

Deus poderia nas distantes situações missionárias garantir milagres, sinais e maravilhas pra creditar o evangelho como ele o fez nos tempos apostólicos? Sim. Mas, não é o mesmo que possuir estes dons como uma capacidade regular no andamento diário da igreja. Se os sinais e maravilhas dos apóstolos retornaram, poderíamos ver o cego recebendo a sua vista, o aleijado andar, e o morto ressuscitar. Deus cura hoje (às vezes, de modo dramático), mas, a cura de resfriados, de gripe, de dores estomacais, e dores nas costas não estão na mesma categoria que as curas encontradas nas Escrituras. Se há pessoas que verdadeiramente têm o dom de curas e milagres, eles devem demonstrar apenas realizando o mesmo tipo de curas e milagres encontrados na Bíblia.

1 Corinthians 13:8-12 contradizem a sua percepção?

Consideremos uma objeção à noção de que alguns dos dons tenham cessado. O texto de 1 Corinthians 13:8-12 ensina que os dons permanecerão até a volta de Jesus? Certamente este texto ensina que os dons permancerão até a vinda de Jesus. Não há um ensino definitivo na Bíblia que eles tenham cessado. Podemos esperá-los até a segunda vinda. Mas, vemos algumas dicas de Ef 2:20 e de outros textos, que os dons exercem um papel fundacional. Então, concluo que 1 Co 13:8-12 permite, mas não requer que os dons continuarão até a segunda vinda. Assim, os dons como o são praticados hoje, não se encaixam com a descrição bíblica daqueles dons.

Por razões como estas os reformadores bem como a tradição protestante até o século 20 creram que os dons cessaram. Concluo que tanto a Escritura como a experiência comprova o seu julgamento sobre o assunto.

Nota do editor: Veja também o artigo de Sam Storm "Why I Am a Continuationist"

Thomas Schreiner é o professor de Novo Testamento James Buchanan Harrison de Interpretação e deão associado de Escritura e Interpretação no Southern Baptist Theological Seminary em Louisville, Kentucky.

Acessado http://thegospelcoalition.org/blogs/tgc/2014/01/23/why-i-am-a-cessationist/ em 23/01/2014.

Tradução livre de 14 de Novembro de 2014
Rev. Ewerton B. Tokashiki
Pastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Porto Velho
Professor de Teologia Sistemática no SPBC-RO.

23 outubro 2014

Perecerão os que nunca ouviram do Evangelho?

David N. Steele & Curtis C. Thomas

Todos os homens são culpados diante de Deus por duas causas. Primeiro, por causa do pecado de Adão, que foi imputado a todo o gênero humano; e segundo, por causa dos próprios pecados cometidos ao transgredir a lei de Deus. A única forma em que os pecadores podem ser livres da culpa é por meio de sua fé em Cristo Jesus. Mas, e aqueles que nunca ouviram falar de Cristo e, portanto, não podem crer nEle? Estão perdidos? Perecerão no Inferno? A resposta de Paulo é: sim! Pois como explica em Rm 10:14-17, a menos que o Evangelho seja pregado aos perdidos (isto inclui a todos os perdidos, tanto pagãos como os judeus), e estes creiam nEle, eles não poderão escapar da ira de Deus. Referindo-se a Cristo, Pedro declara: “e não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos” (At 4:12, ARA).

Aqueles que não viveram debaixo da iluminação da Palavra de Deus, não serão julgados de maneira tão rígida como aqueles que viveram sob esta Palavra, entretanto, recusam ouvir as suas advertências e aceitar as suas promessas. Isto é o que Cristo nos ensina em Lc 12:47-48: “aquele servo, porém, que conheceu a vontade do seu Senhor, não se preparou, nem obedeceu conforme a sua vontade, receberá muitos açoites. Aquele, porém, que não soube a vontade do seu senhor e fez cousas dignas de reprovação levará poucos açoites. Mas àquele a quem muito foi dado, muito lhe será exigido; e àquele a quem muito se confia, muito mais lhe pedirão.” Como Charles Hodge disse: “os homens serão julgados pela luz que desfrutaram individualmente. A base do juízo são as suas obras; a regra para julgá-los é o seu conhecimento.”[1] Sendo que os pagãos pecam contra Deus por transgredir a lei escrita em seus corações, é óbvio que perecerão, a menos que alguém lhes leve a mensagem de Cristo; pois, não há justificação para os pecadores, senão pela fé em Cristo. Deus salva aos seus escolhidos por meio do Evangelho de Jesus Cristo; e são chamados externamente pela mensagem evangélica e interiormente pelo Espírito Santo, que lhes capacita a crer na mensagem. “Entretanto, devemos sempre dar graças a Deus por vós, irmãos amados pelo Senhor, porque Deus vos escolheu desde o principio para a salvação, pela santificação do Espírito e fé na verdade, para o que também vos chamou mediante o nosso evangelho para alcançardes a glória de nosso Senhor Jesus Cristo” (2 Ts 2:13-14, ARA).

Há quem crê que aqueles que nunca ouviram o Evangelho não poderão ser condenados. O seu argumento é de que “Deus não pode ser tão injusto ao condenar para o Inferno aqueles que nunca tiveram a oportunidade de aceitar ou rejeitar a Cristo.” Todavia, os mesmos que assim falam defendem o envio de missionários àqueles que ainda não ouviram o Evangelho e que, segundo o seu ponto de vista, não podem ser condenados. Parece contraditório manter a ideia de que o paganismo está seguro porque não ouvem o Evangelho, e ao mesmo tempo apoiar o movimento missionário; pois se os pagãos não podem ser condenados sem antes ouvir o Evangelho, e se depois de haverem ouvido alguns deles o rejeitam, então, não devemos pensar que os missionários, em lugar de levar a esperança e possibilidade de salvação ao pagão, lhes levam somente a condenação para aqueles que rejeitam a Cristo depois de haver ouvido a mensagem? Mas como Paulo demonstra em Romanos, os homens se perdem não porque rejeitam a Cristo, mas por causa dos seus pecados. E, se vão crer no Evangelho de Cristo, que lhes liberta da culpa do pecado, deverão primeiro ouvi-lo. Portanto, o envio de missionários é absolutamente um imperativo, se quisermos que o incrédulo seja salvo.

A Escritura guarda silêncio quanto à salvação daqueles que são incapazes de compreender e crer no Evangelho (isto é, as crianças e os doentes mentais, etc.). Mas, é suficiente conhecer e saber que o Juiz do mundo fará o que é correto. Que estes necessitam da salvação está claro pelo fato de que a raça humana foi contaminada com o pecado de Adão (Rm 5:12-19); mas não nos diz nada a respeito da provisão feita por eles. Uma coisa é certa: se forem para o céu, terão que ir pelos méritos de Cristo, e não por serem inocentes, ou por estarem livres da culpa. Quando consideramos este assunto devemos ter em conta as palavras de Dt 29:29: “As coisas secretas pertencem ao SENHOR o nosso Deus; mas as reveladas são para nós e para os nossos filhos”.

NOTA:
[1] Charles Hodge, Romans - Geneve Series of Commentaries (Edimburgh, The Banner of Truth, 2009), p. 53.

Extraído de David N. Steele & Curtis C. Thomas, Romanos Un Bosquejo Explicativo pp. 121-123.
Tradução livre:
Rev. Ewerton B. Tokashiki

10 outubro 2014

O conceito calvinista da graça comum

Escrito por H. Henry Meeter

O estudo da vida humana, particularmente tal como se manifesta entre os pagãos e incrédulos, oferece um problema realmente sério. Por um lado, na Bíblia encontramos afirmações que, aparentemente, descrevem aos pagãos e aos não crentes como aborrecedores de Deus, incapazes e ausentes de desejo de fazer o bem e inclinados a toda iniquidade, ou seja: totalmente depravados. Por outra parte, entre estes pagãos e não crentes descobre-se um modo de vida que parece desmentir a avaliação bíblica. Calvino faz referência a este tipo de vida, e ao problema que o envolve, com estas palavras tão significativas: "se cremos que o Espírito de Deus é a única fonte de verdade, não rejeitamos, nem depreciamos esta verdade onde quer que ela se manifeste ... . Negaremos a luz da verdade aos antigos legisladores que promulgaram princípios tão justos de ordem civil e político? Diremos que os filósofos eram cegos em sua penetrante reflexão e na descrição científica que nos fazem da natureza? Poderemos dizer que eles, que pela arte da lógica nos ensinaram a falar de um modo consistente com a razão, estavam eles mesmos destituídos de entendimento? Acusaremos de loucura a todos que afanados no estudo da medicina obtiveram vantagens e benefícios para toda a humanidade? O que diremos dos matemáticos? Consideraremos as suas conclusões como devaneios de pessoas dementes? Certamente que não; pelo contrário, leremos com grande admiração os escritos dos antigos sobre estes temas; os elogiaremos porquanto não poderemos descobrir o caráter verdadeiramente excelente deles. E não admitiremos que tudo o que louvável e excelente procede de Deus?”

[Para ler o texto completo CLIQUE AQUI]

02 outubro 2014

Pressionando as antíteses - Greg L. Bahnsen

O texto que segue é um extrato de “O grande debate: Deus existe?”, um debate formal entre o Dr Greg L. Bahnsen e o Dr Gordon S. Stein promovido na Universidade da Califórnia (Irvine) em 2 de Fevereiro de 1985. O Dr Bahnsen inicia o interrogatório:

Dr Bahnsen: “Todas as perguntas se respondem da mesma maneira sobre os fatos concretos?”

Dr Stein: “Não, se respondem usando certos métodos, ainda que sejam os mesmos – raciocínio, lógica, apresentação de evidência e fatos.”

Dr Bahnsen: “Muito bem. Escutei você mencionar uniões lógicas e contradições lógicas em seu discurso. Você realmente disse isso?”

Dr Stein: “Sim, eu o disse. Eu utilizei essa frase sim.”

Dr Bahnsen: “Então, você crê que existem as leis da lógica?”

Dr Stein: “Absolutamente.”

Dr Bahnsen: “São universais?”

Dr Stein: “Estas são acordadas por seres humanos. Não são leis que existam na natureza. São consensuais.”

Dr Bahnsen: “Então, são simplesmente convencionalismos?”

Dr Stein: “São convencionalismos, mas são convencionalismos que são auto verificáveis.”

Dr Bahnsen: “São leis sociológicas ou leis de pensamento?”

Dr Stein: “São leis de pensamento, as quais são interpretadas por homens e promulgadas por homens.”

Dr Bahnsen: “São material na natureza?”

Dr Stein: “Como poderia uma lei ser material na natureza?”

Dr Bahnsen: “Esta é uma pergunta que eu lhe faço.”

Dr Stein: “Eu diria que não.”


Moderador: “Dr Stein, agora você tem oportunidade para interrogar ao Dr Bahnsen.”

Dr Stein: “Dr Bahnsen, você chamaria a Deus de material ou imaterial?”

Dr Bahnsen: “Imaterial.”

Dr Stein: “O que é algo imaterial?”

Dr Bahnsen: “Algo que não se estende no espaço.”

Dr Stein: Poderia me dar um exemplo de outra coisa que não seja Deus, e que seja imaterial?”

Dr Bahnsen: “As leis da lógica.”

Moderador: “Peço que a audiência tranquilize-se, por favor. Por favor. Refreiem as risadas e aplausos. Podem tranquilizar-se, por favor.”



Greg L. Bahnsen, Preparate para la buena batalla (Powder Springs, American Vision, Inc., 2013), pp. xix-xx.
Traduzido em 2 de Outubro de 2014.
Rev. Ewerton B. Tokashiki
Pastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Porto Velho
Professor de Teologia Sistemática no SPBC-JiParaná – RO.

20 agosto 2014

O presbítero deve ser irrepreensível

O presbítero é um episcopos, isto é, um supervisor do rebanho de Deus. Ele tem a responsabilidade de supervisionar interna e externamente a comunidade que está sob os seus cuidados. A sua supervisão tem uma natureza interna porque ele precisa olhar entre as ovelhas como elas estão, e como se comportam, e se estão saudáveis espiritual, moral e doutrinariamente. Ele deve se informar se as famílias sob o seu pastoreio estão vivendo de acordo com a Palavra de Deus. Ao mesmo tempo, ele tem o dever de supervisionar externamente contra os lobos, os falsos mestres e alertar o rebanho contra todo falso profeta, bem como os ventos de doutrina que se aproximam do seu redil. Para exercer o seu chamado, o presbítero necessita de autoridade, senão, as ovelhas sob o seu cuidado não lhe darão ouvidos e correrão o risco de dispersar ou de serem dissipadas pelo perigo externo. Por não terem uma referência saudável, elas tenderão ao mundanismo.

Esta sublime tarefa exige que o supervisor seja de caráter irrepreensível, ele precisa ser livre de acusações dos seus adversários. A palavra no grego é anepílémptos que significa não exposto ao ataque, ou seja, ele não pode ser merecedor de censura. Samuel Miller alerta que “talvez não exista na sociedade humana situação que reclame mais imperiosamente por delicadeza, precaução, reserva, e a mais vigilante discrição, do que a de um governante eclesiástico.”[1] O presbítero não pode armar os seus inimigos com argumentos que venham usar contra ele. Como supervisor, ele deve primeiramente ser vigilante com os seus impulsos pecaminosos, para que não seja reprovado, no que precisa ser referência.

Isto não significa que ele seja perfeito, ou infalível, ou que não peque mais. Ele ainda luta contra a sua velha inclinação pecaminosa, e é consciente de suas limitações. Mas o que está em evidência em sua vida é o seu compromisso com Cristo, a sua maturidade, uma vida de transformação, o seu amor pelo Redentor está em relevo. Ele é padrão para os jovens e novos convertidos, de modo que todo o rebanho o tenha como referência ética e firmeza doutrinária. A sua vida não pode de modo algum ser caracterizada pela necessidade de contínuas repreensões, de modo que todos percebam que ele não pode ser exemplo, nem representante do rebanho de Cristo. Se nele não está em evidência as virtudes de Cristo, então, ele não pode conduzir, nem supervisionar as ovelhas do Senhor, pois o seu comportamento é vazio de autoridade para exortar, confrontar e liderar. Em outras palavras, ele simplesmente não tem autoridade.

NOTA:
Samuel Miller, O Presbítero Regente - Natureza, Deveres e Qualificações (São Paulo, Editora Os Puritanos, 2a. ed., 2011), p. 44.

09 junho 2014

Discipulado intelectual? Pensamento fiel para uma vida fiel

Por Albert Mohler


A narrativa bíblica serve como referência para os princípios cognitivos que permitem a formação de uma cosmovisão autenticamente cristã. Muitos cristãos se apressam em desenvolver o que eles chamam uma "cosmovisão cristã" pela organização das verdades, doutrinas e convicções cristãs separadas com a finalidade de criar fórmulas para o pensamento cristão. Sem dúvida, esta é uma melhor ênfase que se encontra entre tantos crentes que têm pouco interesse pelo pensamento cristão, mas não é suficiente.

Um modelo sólido e rico do pensamento cristão — a qualidade do pensamento que culmina numa cosmovisão centrada em Deus — requer que vejamos toda a verdade como interconectada. Consequentemente, a totalidade sistemática da verdade pode-se remontar ao fato de que o próprio Deus é o autor de toda a verdade. O Cristianismo não é apenas um conjunto de doutrinas, no sentido de que um mecânico opera com um conjunto de ferramentas. Pelo contrário, o Cristianismo é uma cosmovisão completa e o modo de vida que nasce da reflexão cristã a partir da Bíblia e do plano planejado por Deus, conforme revelado na unidade das Escrituras.

Uma cosmovisão centrada em Deus atrai todos os temas, perguntas e preocupações culturais, para uma submissão a tudo o que a Bíblia revela, e caracteriza todo entendimento dentro do objetivo final de permitir a maior glória de Deus. Esta tarefa de levar cativo todo o pensamento a Cristo requer mais do que o pensamento cristão circunstancial e deve-se entender como a tarefa da igreja, e não somente a preocupação dos crentes individuais. A recuperação da mente cristã e o desenvolvimento de uma cosmovisão cristã integral requerem a reflexão teológica mais profunda, a aplicação mais consagrada da erudição, o compromisso mais sensível para compaixão e o valor de enfrentar todas as perguntas sem temor.

O Cristianismo trás ao mundo um entendimento distintivo do tempo, história e o significado da vida. A cosmovisão cristã abrange uma compreensão do universo e tudo o que nele contém, e nisto percebemos muito além do mero Materialismo e nos liberta da prisão intelectual do Naturalismo. Os cristãos entendem que o mundo — inclusive o mundo material, se dignifica com o mesmo fato de que Deus o criou. Ao mesmo tempo, entendemos que devemos ser administradores desta criação, e não devemos adorar as coisas que Deus fez. Entendemos que cada ser humano é feito à imagem de Deus e que Deus é o Senhor da vida em todas as etapas do desenvolvimento humano. Honramos a santidade da vida humana, porque adoramos ao Criador. Da Bíblia, extraímos a informação fundamental de que Deus se deleita na diversidade étnica e racial de suas criaturas humanas, e assim devemos fazê-lo.

A cosmovisão cristã envolve um entendimento distintivo da beleza, a verdade e a bondade, entendendo-se por tais os transcendentais que, na análise final, são uma e a mesma. Portanto, a cosmovisão cristã não permite a fragmentação que elimina o belo do verdadeiro, ou do bom. Os cristãos consideram a administração dos dons culturais — que vão da música e a arte visual até o drama e à arquitetura — como uma questão da responsabilidade espiritual.

A cosmovisão cristã proporciona os recursos autorizados para a compreensão de nossa necessidade da lei e nosso respeito pela ordem. Informados pela Bíblia, os cristãos entendem que Deus inverteu o governo com a responsabilidade urgente e importante. Ao mesmo tempo, os cristãos chegam a compreender que a idolatria e o auto-engrandecimento são tentações que vêm a cada esfera. A partir dos ensinos abundantes da Bíblia referentes ao dinheiro, à cobiça, à dignidade do trabalho, e a importância do trabalho, os cristãos têm muito que abranger a uma compreensão adequada da economia. Aqueles que atuam a partir de uma cosmovisão intencionalmente bíblica não podem reduzir os seres humanos a simples unidades econômicas, senão há de se entender que nossa vida econômica reflete o fato de que estamos feitos à imagem de Deus e, portanto, estão investidos da responsabilidade de serem mordomos de tudo o que o Criador nos concedeu.

A fidelidade cristã requer um profundo compromisso com a séria reflexão moral sobre assuntos da guerra e da paz, a justiça e a equidade e o bem funcionamento de um sistema de leis. Nosso esforço intencional por desenvolver uma cosmovisão cristã nos obriga a voltarmos aos primeiros princípios uma e outra vez, num esforço constante e vigilante para assegurar-se de que os padrões de nossos pensamentos são consistentes com a Bíblia e sua narrativa.

No contexto do conflito cultural, o desenvolvimento de uma autêntica cosmovisão cristã deve permitir à Igreja do Senhor Jesus Cristo manter um equilíbrio responsável e valente em qualquer cultura, em qualquer período de tempo. A administração desta responsabilidade não é somente um desafio intelectual, senão que determina em grande medida, se os cristãos vivem e atuam ou não, ante o mundo de uma maneira que glorifique a Deus e promova a credibilidade do evangelho de Jesus Cristo. O fracasso nesta tarefa representa um abandono da responsabilidade cristã que desonra a Cristo, debilita a Igreja, e compromete o testemunho cristão.

Uma falha no pensamento cristão é um fracasso do discipulado, porque somos chamados a amar a Deus com nossas mentes. Não podemos seguir fielmente a Cristo sem antes pensar como cristãos. Por outra parte, os crentes não devem ser pensadores alienados que isolados levam esta responsabilidade. Somos chamados para sermos fiéis juntos à medida que aprendemos o discipulado intelectual dentro da comunidade de crentes, a Igreja.

Pela graça de Deus, nos permite amar a Deus com nossas mentes para que lhe sirvamos com nossas vidas. A fidelidade cristã requer o desenvolvimento consciente duma cosmovisão que começa e termina com Deus em seu centro. Somente somos capazes de pensar como cristãos porque pertencemos a Cristo, e a cosmovisão cristã é, enfim, nada mais do que tratar de pensar como Cristo requer que pensemos, com a finalidade de ser o que Cristo nos chama para ser.


Para a leitura de contexto, consulte:
R. Albert Mohler, Jr., “The Glory of God and the Life of the Mind,” Quinta-feira, 12 de Novembro, 2010.
R. Albert Mohler, Jr., “The Knowledge of the Self-Revealing God: Starting Point for the Christian Worldview,” Quinta-feira, 3 de Dezembro, 2010.
R. Albert Mohler, Jr., “The Christian Worldview as Master Narrative: Creation,” Quarta-feira, 15 de Dezembro, 2010.
R. Albert Mohler, Jr., “The Christian Worldview as Master Narrative: Sin and its Consequences,” Quinta-feira, 7 de Janeiro, 2011.
R. Albert Mohler, Jr., “The Christian Worldview as Master Narrative: Redemption Accomplished,” Segunda-feira, 10 de Janeiro, 2011.
R. Albert Mohler, Jr., “The Christian Worldview as Master Narrative: The End that Is a Beginning,” Quarta-feira, 12 de Janeiro, 2011.


Traduzido por Ewerton B. Tokashiki
Porto Velho, 9 de Junho de 2014.

Extraído de http://elevangeliosegunjesucristo.blogspot.com.br/2014/01/discipulado-intelectual-pensamiento.html acessado em 29 de Janeiro de 2014.

06 junho 2014

Os Três Pontos da Graça Comum conforme a Christian Reformed Church

A resolução da Christian Reformed Church acerca da Graça Comum


Numa reunião Sinodal da Christian Reformed Church (CRC), que começou em 18 de junho de 1924, em Kalamazoo, no Michigan, após uma longa controvérsia, a CRC adotou o que veio a ser conhecida como os "Três Pontos da Graça Comum." Porque alguns ministros dentro da CRC se recusaram a assinar os "Três Pontos", eles (com a maioria de seus consistórios) foram suspensos ou deposto dos seus cargos. Este foi o início das Protestant Reformed Church na América. Estes ministros, e outros depois deles, escreveram respostas à decisão que foi tomada. Naquela época, e desde então, a Protestant Reformed Church tem alertado que estes "Três Pontos" eram não somente contrário à Escritura e as Confissões Reformadas, mas também serviu como uma ponte para o mundo e daria a desculpa para introduzir o mundanismo na igreja.

Citamos literalmente os três pontos:

I. O Primeiro Ponto:
"Em relação ao primeiro ponto, que diz respeito à atitude favorável de Deus para com a humanidade em geral e não apenas para os eleitos, o Sínodo declara que é possível afirmar de acordo com a Escritura e as Confissões que, além da graça salvadora de Deus apresentado apenas àqueles que são eleitos para a vida eterna, há também certo favor ou graça de Deus que Ele mostra às Suas criaturas em geral. Isto é evidente a partir das passagens bíblicas citadas e dos Cânones de Dordrecht II: 5 e III- IV: 8,9, que tratam da oferta geral do Evangelho, ao mesmo tempo que também aparece as citações feitas a partir de escritores reformados do período mais florescente da Teologia Reformada que nossos escritores reformados do passado favoreceram este ponto de vista. (Prova bíblica: Salmo 145:9; Mt 5:44, 45; Lc 6:35-36; At 14:16-17; 1 Tm 4:10; Rm 2:4 ; Ezequiel 33:11 ; Ezequiel 18:23)”

II. O Segundo Ponto:
"Em relação ao segundo ponto no que diz respeito à restrição do pecado na vida do homem individual e na comunidade, o Sínodo declara que há tal restrição do pecado, segundo as Escrituras e a Confissão. Isto é evidente a partir das citações das Escrituras e da Confissão dos Países Baixos, Art. 13 e 36, que ensinam que Deus pelas operações gerais do Seu Espírito, sem renovar o coração do homem, restringe os efeitos do pecado, de modo que a vida humana na sociedade continua a ser possível; e quanto a isto também é evidente a partir das citações de escritores reformados do período mais florescente da Teologia Reformada, que desde os tempos antigos nossos pais reformados eram da mesma opinião. (Prova bíblica: Sl 81:11-12 ; Gn 6:3; At 7:42; Rm 1:24; Rm 1:26, 28; 2 Ts 2:6-7).”

III. O Terceiro Ponto:
"Em relação ao terceiro ponto, no que diz respeito à questão da justiça civil realizada pelo não-regenerado, o Sínodo declara que de acordo com a Escritura e as Confissões o não-regenerado, embora seja incapaz de fazer qualquer coisa dita boa, pode fazer o bem civil. Isto é evidente das citações das Escrituras e dos Cânones de Dordrecht, III- IV: 4, e da Confissão dos Países Baixos, Art. 36, que ensinam que Deus, sem renovar o coração, ainda assim influencia o homem de modo que ele seja capaz de realizar o bem civil; ao mesmo tempo que isto é evidente das citações de escritores reformados do período mais florescente da Teologia Reformada que nossos pais reformados desde os tempos antigos eram da mesma opinião. (Prova bíblica: 2 Rs 10:29-30; 2 Rs 12:2; 14:3 ; Lc 6:33; Rm 2:14).”


Extraído http://www.prca.org/resources/categories/articles/item/291-the-three-points-of-common-grace de 8 de Março de 2014.
Traduzido por Ewerton B. Tokashiki.

Para acesso aos documentos do sínodo da Christian Reformed Church - ACESSE AQUI

18 maio 2014

A incoerência de cristãos com a atual situação política [vídeo]

Estranho como numerosos cristãos, e até mesmo reformados se posicionam partidários da atual política de Esquerda no Brasil. Aparentemente ignoram a incompatibilidade da fé cristã e o Marxismo. Entretanto, percebo que este não é o único problema de incoerência ideológica, há também uma conivência com a política pública de tornar o socialismo o sistema de governo de nosso país. Estes mesmos cristãos, calam-se diante das denúncias de corrupção, e se contentam com as absolvições do STJ, e ainda se melindram diante de toda evidente crítica, por mais verdadeira que seja.

Este breve vídeo é uma breve reflexão e advertência a esta incoerência ética e ideológica.

Para assistir [clique aqui].

22 abril 2014

A incompatibilidade da fé cristã e do Marxismo [vídeo]

Tenho me preocupado vendo tantos cristãos comprometendo-se com o Marxismo, consciente ou inconscientemente, entendendo as premissas desta ideologia, ou apenas abracando-o pelos mais diferentes motivos. Por isso, resolvi fazer um vídeo explicando a incompatibilidade da fé cristã e do Marxismo. É algo amador, com uma filmagem simples, mas o foco é a argumentação. Apresento 5 pontos de tensão que precisam ser avaliados nesta rival relação entre o Cristianismo e o Marxismo:
1. Ambos propõe uma cosmovisão explicando toda a realidade.
2. Ambos têm uma proposta acerca de Deus.
3. Ambos apresentam um entendimento do que é o homem e o problema do mal moral.
4. Ambos possuem uma clara perspectiva acerca da religião.
5. Ambos afirmam algo essencial acerca da moralidade.

O meu intuito é denunciar esta confusão teológica e ideológica que está causando tanto prejuízo. Se formos coerentes nas premissas, a prática será uma consequência!

Para assistir o vídeo no YOUTUBE [acesse aqui].

17 abril 2014

Karl Marx contra a moralidade

Escrito por Allen Wood

1. Introdução

Os marxistas expressam frequentemente uma atitude depreciativa para com a moralidade, que (segundo dizem) não é mais do que uma forma de ilusão, uma falsa consciência ou ideologia. Mas, outros (tanto os que se consideram marxistas, como quem não) frequentemente consideram difícil de compreender esta atitude. Os marxistas condenam o capitalismo por explorar a classe trabalhadora e condenar à maioria das pessoas a levar uma vida alienada e insatisfeita. Quais razões podem oferecer para isto, e como podem esperar que outros façam o mesmo, se abandonam todo apelo à moralidade? Todavia, a rejeição marxista da moralidade começa com o próprio Marx. E esta é – segundo vou argumentar – uma concepção defensável, uma consequência natural, como a respeito dela disse Marx, da concepção materialista da história. Ainda que não aceitemos as ideias restantes de Marx, o seu ataque à moralidade estabelece questões importantes relativas à maneira em que devemos concebê-la.


2. O antimoralismo de Marx

Marx geralmente permanece em silêncio acerca do tipo de questões que interessam aos moralistas e aos filósofos éticos. Mas deve-se observar que claramente este silêncio não se deve a um complacente descuido. A sua atitude é de hostilidade aberta à teorização moral, aos valores morais e inclusive contra a própria moralidade. Contra Pierre Proudhon, Karl Heinzen e os “socialistas autênticos” alemães, Marx utiliza regularmente os termos “moralidade” e “crítica moralizante” como epítetos insultuosos. Condena amargamente a exigência de “salários justos” e “distribuição justa” do Programa de Gotha, afirmando que estas expressões “confundem a perspectiva realista da classe trabalhadora” com a “verborragia desatualizada” e o “lixo ideológico” que seu enfoque científico se torna obsoleto (MEW 19:22, SW 325). Quando outros persuadem a Marx a que inclua uma retórica moral suave nas regras para a Primeira Internacional, ele sente que deve desculpar-se com Engels por isto: “vi-me obrigado a introduzir duas expressões sobre “dever” e “o correto” ... ou seja, sobre “a verdade, a moralidade e a justiça”, mas, estão situadas de tal forma que não podem causar nenhum dano” (CW 42, p. 18).

Normalmente Marx descreve a moralidade, junto à religião e ao direito, como formas de ideologia taxando-a como “outros tantos preconceitos burgueses pelos quais se escondem outros tantos interesses ideológicos” (MEW 4, p. 472; CW 6, p. 494-495, cf. MEW 3, p. 26; CW 5, p. 36). Porém, não somente condena as ideias burguesas sobre a moralidade. Seu alvo é a própria moralidade, toda moralidade. A ideologia alemã afirma que a concepção materialista da história, ao mostrar a vinculação entre ideologia moral e interesses materiais de classe “quebrou o suporte de toda a moralidade”, independentemente de seu conteúdo ou filiação de classe (MEW 3, p. 404; CW 5, p. 419). Quando um crítico imaginário critica que “o comunismo anula toda a moralidade e religião, em vez de formá-las de novo”, o Manifesto Comunista responde não negando a verdade da acusação, mas por sua vez observando como a revolução comunista significará uma ruptura radical com todas as relações tradicionais de propriedade, também significará o corte mais radical ainda com todas as ideias tradicionais (MEW 4, p. 480-481; CW 6, p. 504). Evidentemente Marx pensou do mesmo modo que a abolição da propriedade burguesa será uma tarefa da revolução comunista, outra será a “abolição de toda moralidade”. Marx inclusive chega a unir-se ao mal moral contra o bem moral. Insiste que na história “é sempre o lado mal o que finalmente triunfa sobre o bem. Pois, o lado mal é o que indica o movimento da vida, o que faz a história levando a luta à sua maturidade” (MEW 4, p. 140; CW 6, p. 174).


[...] para leitura do texto completo [14 páginas] - acesse aqui!

08 abril 2014

Marxismo e Cristianismo - como cosmovisões rivais

Escrito por Leslie Stevenson & David I. Haberma

CONCEPÇÕES RIVAIS DA NATUREZA HUMANA

Há muitas coisas que dependem de nossa concepção da natureza humana: no caso dos indivíduos, o significado e o propósito de nossa vida, o que devemos fazer ou nos empenhar por conseguir, o que podemos alimentar a esperança de realizar ou de vir a ser; no caso das sociedades humanas, rumo a que visão de comunidade humana podemos esperar caminhar ou que tipo de mudanças sociais deveríamos fazer. Nossas respostas a todas essas perguntas tão complexas dependem de pensarmos se existe ou não alguma natureza “verdadeira” ou “inata” dos seres humanos. Se existe, qual é essa natureza? Ela difere entre homens e mulheres? Ou não existe nenhuma natureza humana “essencial”, mas apenas uma capacidade de ser moldado pelo ambiente social – por forças econômicas, políticas e culturais?

Há muitíssimas divergências acerca dessas questões fundamentais sobre a natureza humana. “O que é o homem, para dele te lembrares? ... Tu o fizeste pouco menos do que um deus, e o coroaste de glória e esplendor” – escreveu o autor do Salmo 8 no Antigo Testamento. A Bíblia vê os seres humanos como tendo sido criados por um Deus transcendente com um propósito definido para nossa vida. “A real natureza do homem é a totalidade das relações sociais”, escreveu Karl Marx em meados do século XIX. Marx negou a existência de Deus e sustentou que toda pessoa é um produto do estágio econômico particular da sociedade em que vive. “O homem está condenado a ser livre”, afirmou Jean-Paul Sartre, que escreveu na França ocupada pela Alemanha, nos anos 1940. Sartre também era ateu, mas diferia de Marx ao sustentar que nossa natureza não é determinada pela sociedade, nem por nenhuma outra coisa. Ele sustentava que toda pessoa individual é completamente livre para decidir o que quer ser e fazer. Em contraste com isso, recentes teóricos sociobiológicos trataram os seres humanos como um produto da evolução, sendo nós dotados de padrões de comportamento biologicamente determinados específicos da espécie.

Não há de escapar à atenção dos leitores contemporâneos que essas três citações, da Bíblia, de Marx e de Sartre, usam todas elas a palavra masculina “homem” (em tradução para o português) quando a intenção era presumivelmente fazer referência a todos os seres humanos, incluindo mulheres e crianças. Esse uso tem sido generalizado e costuma ser defendido como uma abreviação conveniente, mas viu-se recentemente criticado por contribuir para pressupostos questionáveis acerca do domínio da natureza humana masculina e para a consequente negligência com a relação à natureza feminina – ou para a consequente opressão desta. Há aqui importantes questões, que implicam bem mais do que o uso linguístico.[1] Tocamos em temas feministas em pontos específicos deste livro, mas não os abordamos diretamente: não há um capítulo sobre teorias especificamente feministas da natureza humana. Esforçamo-nos para evitar linguagem sexista em nossos próprios textos, mas dificilmente a podemos evitar quando se trata de citações.

Concepções diferentes da natureza humana levam a distintas ideias sobre o que devemos fazer e sobre como podemos fazer. Se um Deus todo-poderoso e supremamente bom nos criou, então é Seu propósito que define o que podemos ser e o que devemos fazer, e temos de buscar Sua ajuda. Se, por outro lado, somos produtos da sociedade, e se julgamos nossa vida insatisfatória, não pode haver uma solução real até que a sociedade humana seja transformada. Se somos radicalmente livres e nunca podemos fugir à necessidade da escolha individual, temos de aceitar essa condição e fazer nossas opções com plena consciência do que fazemos. Se nossa natureza biológica nos predispõe ou nos determina a pensar, a sentir e a agir de uma dada maneira, temos de levar isso em conta de forma realista.

Crenças rivais acerca da natureza humana são tipicamente personificadas em diferentes modos de vida individuais, bem como em sistemas políticos e econômicos. A teoria marxista (em alguma de suas versões) dominou a tal ponto os países de regime comunista no século XX que qualquer questionamento dela poderia trazer sérias consequências para seu autor. Podemos facilmente nos esquecer de que, há alguns séculos, o cristianismo exerceu uma posição dominante similar na sociedade ocidental: os hereges e não-crentes eram discriminados, perseguidos e até queimados na fogueira.[2] Mesmo em nossos dias, em alguns países e comunidades há um consenso cristão socialmente estabelecido a que as pessoas só podem se opor pagando algum preço. Na República da Irlanda, por exemplo, a doutrina católica romana tem sido aceita (até recentemente) como uma limitação imposta a políticas relativas a questões sociais como o aborto, a contracepção e o divórcio. A Igreja Católica exerce uma forte influência semelhante na Polônia pós-comunista. Nos Estados Unidos, um ethos cristão protestante informal afeta boa parte das discussões políticas, apesar da separação oficial entre a Igreja e o Estado.

Uma filosofia “existencialista” como a de Sartre pode dar a impressão de ter menos implicações sociais. Mas uma maneira de justificar a moderna democracia “liberal” consiste em recorrer à concepção filosófica segundo a qual não há valores objetivos para a vida humana, mas apenas escolhas individuais subjetivas. Esse pressuposto (que é incompatível tanto com o cristianismo quanto com o marxismo) tem grande influência na sociedade ocidental moderna, indo além de sua manifestação particular na filosofia existencialista francesa da metade do século XX. A democracia liberal se acha entronizada na Declaração de Independência do Estados Unidos, que apresenta uma separação entre política e religião e reconhece o direito de cada pessoa individual no sentido de buscar sua própria concepção de liberdade. (Deve-se, no entanto, observar que alguém que acredita que existem padrões morais objetivos ainda pode dar apoio a um sistema liberal se pensar que não é aconselhável tentar pô-los em prática.)


UMA COMPARAÇÃO ENTRE O CRISTIANISMO E O MARXISMO

Examinemos um pouco mais detalhadamente os cristianismo e o marxismo como teorias rivais da natureza humana. Embora sejam radicalmente diferentes no tocando ao conteúdo, apresentam notáveis semelhanças em termos de estrutura, na maneira como as partes de cada uma das doutrinas se integram entre e si e dão origem a modos de vida.[3] Em primeiro lugar, as suas doutrinas fazem alegações sobre a natureza do universo como um todo. É claro que o cristianismo está comprometido com a crença em Deus, num ser pessoal onipotente, onisciente e perfeitamente bom, o Criador, Dirigente e Juiz de tudo o que existe. Marx condenou a religião como “o ópio do povo”, um sistema de crenças ilusório que desvia as pessoas de seus reais problemas sociais. Ele sustentava que o universo existe sem ninguém por trás ou além dele, e que sua natureza é fundamentalmente material.

Tanto o cristianismo como o marxismo têm crenças acerca da história. Para o cristão, o significado da história é dado pela relação desta com o eterno. Deus usa os eventos da história para concretizar Seus propósitos, revelando-Se ao Seu povo prometido (no Antigo Testamento), mas sobretudo na vida e na morte de Jesus. Marx afirmava ter descoberto um padrão de progresso na história humana que é inteiramente intrínseco a ela. Julgava haver um desenvolvimento inevitável de um estágio econômico para outro, de maneira que, assim como o sistema econômico do feudalismo tinha sido superado pelo capitalismo, este seria substituído pelo comunismo. Ambas as concepções veem na história um padrão e um significado, embora concebam de modos distintos a natureza e a direção da força motriz.

Em segundo lugar, como decorrência das alegações conflitivas acerca do universo, há diferentes descrições da natureza essencial de seres humanos individuais. De acordo com o cristianismo, somos feitos à imagem de Deus, e nosso destino depende de nossa relação com Ele. Todas as pessoas são livres para aceitar ou rejeitar os desígnios de Deus, e serão julgadas de acordo com o modo pelo qual exerceram essa liberdade.[4] Esse juízo ultrapassa tudo o que existe nesta vida, dado que cada um de nós vai sobreviver à morte física. O marxismo nega que exista vida após a morte e qualquer juízo eterno desse gênero. Também descarta a liberdade individual e diz que nossas ideias e atitudes morais são determinadas pelo tipo de sociedade em que vivemos.

Em terceiro lugar, há diferentes diagnósticos sobre o que há de errado com a vida humana e a humanidade. O cristianismo afirma que o mundo não está de acordo com os propósitos de Deus, que nossa relação com Deus se acha desfeita, porque abusamos de nossa liberdade, rejeitamos a vontade de Deus e estamos contaminados pelo pecado. Marx substitui a noção de pecado pelo conceito de “alienação”, que também sugere algum padrão ideal a que a vida humana concreta não atende. A ideia de Marx, porém, parece ser de alienação do homem com relação a si mesmo, de sua verdadeira natureza: ele alega que os seres humanos têm um potencial que as condições socioeconômicas do capitalismo não lhes permite desenvolver.

A prescrição para um problema depende do diagnóstico. Assim, por último, o cristianismo e o marxismo oferecem respostas completamente divergentes aos males da vida humana. O cristão acredita que só o poder do Próprio Deus pode nos salvar de nosso estado de pecado. a declaração surpreendente é a de que, na vida e na morte de Jesus, Deus agiu com vistas a redimir o mundo. Todos precisam aceitar esse perdão divino para então poder iniciar uma nova vida regenerada. A sociedade humana só será de fato redimida quando os indivíduos se transformarem dessa maneira. O marxismo diz o oposto: não pode haver real melhoria das vidas individuais enquanto não ocorrer uma radical mudança da sociedade. O sistema socioeconômico do capitalismo tem de ser substituído pelo comunismo. Afirma o marxismo que essa mudança revolucionária é inevitável como decorrência das leis do desenvolvimento histórico; o que as pessoas têm de fazer é integrar-se ao movimento progressista e ajudar a abreviar as dores do parto da nova era.

Acham-se implícitas nessas prescrições rivais diferentes concepções de um futuro no qual a humanidades estará redimida ou regenerada. A visão cristã é das pessoas restauradas ao estado que Deus lhes destina, amando e obedecendo livremente ao seu Criador. A vida nova começa assim que o indivíduo aceita a salvação de Deus e se integra à comunidade cristã, mas o processo tem de se completar para além da morte, visto que os indivíduos e as comunidades são eternamente imperfeitos nesta vida. A visão marxista é a de um futuro neste mundo, de uma sociedade perfeita em que as pessoas possam ser quem de fato são, já não alienadas pelas condições econômicas, mas livremente ativas na cooperação de umas com as outras. É essa a meta da história, embora não se deva esperar que seja alcançada imediatamente depois da revolução: vai ser necessário um estágio de transição antes que a fase superior da sociedade comunista possa se concretizar.

Temos aqui dois sistemas de crença de alcance total. Tradicionalmente, cristãos e marxistas alegam ser portadores da verdade essencial sobre a totalidade da vida humana: fazem alguma declaração sobre a natureza de todos os seres humanos, em todas as épocas e em todos os lugares. E essas versões de mundo pedem não apenas assentimento intelectual como ação prática; quem de fato acredita em alguma dessas teorias deve aceitar suas implicações no que se refere ao seu próprio modo de viver e agir de acordo com isso.

Como último ponto de comparação, observe-se que, para cada um desses sistemas de crença, tem havido uma organização humana que pede a adesão dos fiéis e afirma ser dotada de uma certa autoridade tanto em termos de doutrina como de prática. Para o cristianismo há a Igreja, e, para o marxismo, o Partido Comunista. Ou, para ser mais preciso, há muito tempo existem igrejas cristãs rivais e uma variedade de partidos marxistas ou comunistas. Cada uma dessas igrejas ou partidos faz declarações concorrentes de que segue a verdadeira doutrina de seu fundador, definindo versões rivais da teoria básica como ortodoxas e seguindo diferentes políticas práticas.


NOTAS:
[1] Quanto à discussão do uso de linguagem sexista tem se tornado comum entre escritores sob a influência do feminismo, o que é lamentável, pois, não há depreciação intencional do valor essencial da mulher no uso tradicional da linguagem comum de dois gêneros.
[2] A diferença básica que os autores deveriam acentuar é que não é essencial à cosmovisão cristã esta postura de totalitarismo político. O marxismo busca o totalitarismo, inclusive pelo extermínio da oposição baseado na premissa básica da luta de classes, agindo coerentemente com a sua ideologia. Algumas facções cristãs, em momentos pontuais na história, exerceram incoerentemente ações políticas [por exemplo, a Inquisição, ou, as Cruzadas] quebrando os dois maiores mandamentos da fé cristã.
[3] É interessante que os autores neste parágrafo apresentem o cristianismo e o marxismo como dois sistemas de cosmovisão diferentes e incompatíveis. Leslie Stevenson e David I. Haberman descrevem neste artigo x forma mais lata de cristianismo abrangendo desde romanistas, ortodoxos, bem como protestantes no seu sentido mais lato. Ainda assim, o essencial da teoria marxista é diametralmente contrário ao essencial à fé cristã. Se levarmos o contraste para o plano de marxismo e calvinismo obviamente a rivalidade acentua mais ainda.
[4] A concepção de liberdade dos autores teologicamente resulta em semipelagianismo.


Extraído de Leslie Stevenson & David I. Haberman, Dez teorias da natureza humana (São Paulo, Editora Martins Fontes, 2005), pp. 5-12.

Os autores:
Leslie Stevenson é professor da University de St. Andrews, Escócia.
David I. Haberman é professor associado na Indiana University, EUA.
Notas de Rev. Ewerton B. Tokashiki.

28 março 2014

A Direita e a Esquerda

por Gene Edward Veith Jr.

Parte da dificuldade em reconhecer o fascismo é o pressuposto de que ele é conservador. Sternhell observou como o estudo da ideologia foi obscurecido pela "interpretação oficial marxista do fascismo". O marxismo define o fascismo como seu extremo oposto. Se o marxismo é progressivo, o fascismo é conservador. Se o marxismo é de esquerda, então o fascismo é de direita. Se o marxismo defende o proletariado, o fascismo defende a burguesia. Se o marxismo é socialista, o fascismo é capitalista.

A influência da escola marxista distorceu seriamente nossa compreensão sobre essa questão. O comunismo e o fascismo foram marcas rivais do socialismo. Enquanto o socialismo marxista pregava a luta de classes internacional, o nacional-socialismo fascista promoveu um socialismo centrado na unidade nacional. Tanto comunistas como fascistas se opunham à burguesia. Ambos atacavam os conservadores. Ambos foram movimentos de massa, que tinham uma simpatia especial pela intelligentsia, pelos estudantes e pelos artistas, assim como pelos trabalhadores. Ambos eram favoráveis a governos fortemente centralizadores e rejeitavam a livre economia e os ideais da liberdade individual. Os fascistas não se viam como de direita nem como de esquerda. Eles acreditavam que constituíam uma terceira força, que sintetizava o melhor dos dois extremos. Há importantes diferenças e amargos antagonismos ideológicos entre o marxismo e o fascismo; mas sua oposição mútua não deveria disfarçar seu parentesco como ideologias socialistas revolucionárias.

Tampouco as figura de linguagem como direita e esquerda ou construções artificiais como reacionários e radical deveriam obscurecer o modo de pensar que permeia um largo espectro de posições políticas e sociais. A metáfora de esquerda e direita que retrata as duas ideologias revolucionárias como opostos extremos é profundamente enganadora. Jaroslav Krejci mostrou a inadequação da "imagem unilinear" de esquerda vs. direita. Ele indica que a metáfora vem da arrumação dos bancos no parlamento francês depois da Revolução. Politicamente, os que ficavam sentados à direita eram favoráveis a um monarca absoluto. Economicamente, eles eram favoráveis aos monopólios do governo e a uma economia controlada. Os que se sentavam à esquerda eram favoráveis à democracia, à economia de livre mercado, e à liberdade individual.

Tal metáfora espacial correspondia bem à geometria cartesiana do Iluminismo e às opções políticas do século 18, mas não funciona como um modelo da política do século 20. Em termos do modelo original, os conservadores norte-americanos que almejavam menos governo e confiavam no livre mercado seriam de esquerda. Os liberais que pretendiam uma economia mais direcionada pelo governo seriam de direita. Liberal e conservador são em si mesmos termos relativos - dependentes do que cada um tem de manter. Os liberais do século 19, com sua economia de livre mercado e resistência aos controles governamentais, são os conservadores do século 20.

Quando pensamos em alternativas socialistas, como Krejci nos mostra, os limites de esquerda e direita se tornam sem sentido. Os marxistas declaram a prática da economia controlada e têm um governo geral forte e autoritário com controles rígidos sobre suas populações. Eles deveriam se sentar na ala direitista do parlamento francês. Por outro lado, os marxistas são revolucionários e assim são certamente anticonservadores. O socialismo fascista, apesar de suas diferenças com o marxismo, é semelhante a este quanto a uma economia controlada, um forte governo central e um controle rígido sobre o populacho e, ao mesmo tempo, cultural e intelectualmente radical. Entretanto, como Krejci, diz "apesar das muitas afinidades entre eles, os comunistas continuam a ser visto como de extrema esquerda e os nazistas como de extrema direita". Como resultados, aqueles que acham que estão sendo esquerdistas "politicamente corretos" acusam os conservadores de "direita" de estar sendo fascistas, mas não se lembram das tendências fascistas que eles mesmos têm.


Extraído de VEITH Jr, Gene Edward, O fascismo moderno (São Paulo: Cultura Cristã, 2010), pp. 24,25
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Crédito pela indicação do texto do Blog TEOLOGIA E APOLOGÉTICA [Recomendado]