04 fevereiro 2008

A Hermenêutica Feminista

O primeiro obstáculo do caminho
É quase impossível a tentativa de se realizar uma análise abrangente da Hermenêutica Feminista. Esta tarefa é um tanto que frustrante, porque existem dificuldades para se avaliar o movimento sem cometer injustiças quanto a sua falta de uniformidade. Existem pelo menos duas questões básicas que precisam ser consideradas:

1. Cada teóloga expõe a sua própria versão desta teologia.[1] Não só divergências de contexto denominacional, mas de perspectiva teológica. Cada escritora tem o seu compromisso teológico orientado pelo seu contexto social e “experiência de opressão”. É praticamente impossível classificar teólogas feministas em grupos que definam posições em comum. Por isso, o modo como se aproximam e lêem as Escrituras divergem segundo as suas preferências pressuposicionais.

2. A articulista Helen Schüngel-Straumann nota que nem todas as teólogas feministas adotam a mesma perspectiva em relação à interpretação da Bíblia. Ela declara que em relação à Bíblia "Carolyn Osiek (em Collins 93s) distingue cinco atitudes: 1. A de uma rejeição total da Bíblia, de que é exemplo a obra de Mary Daly. 2. A de uma interpretação leal, que vê a Bíblia como revelação/palavra de Deus e que não admite dúvida a este respeito. Uma 3ª abordagem é a que ela denomina de revisionista. Nela é criticado unicamente o enfoque androcêntrico, voltando a ser prestigiadas as tradições feministas esquecidas. Como exemplo desta linha a autora menciona Phyllis Trible. A 4ª abordagem é descrita como sublimacionista, onde os preconceitos ideológicos (como o de que o feminino seria superior ao masculino) desempenham um papel importante e onde predominam as interpretações simbólicas-isoladas de que qualquer contexto político-social. Como 5ª abordagem, que ela vê como a mais importante em nossos dias, Osiek descreve a interpretação da Bíblia segundo a teologia feminista da libertação, a que associa os nomes de Rosemary Radford, Letty M. Russell e Elisabeth Schüssler Fiorenza. No espaço lingüístico alemão não se pode deixar de mencionar aqui Luise Schottroff."[2]

Edificando sobre a areia movediça
A Teologia Feminista é um ramo dentro da conhecida Teologia da Libertação, entretanto, em vez de ser usada para uma interpretação em favor dos pobres, a aplicação dos princípios da libertação são direcionados para defender as mulheres como desfavorecidas num ambiente predominantemente masculino. A interpretação feminista das Escrituras tem o seu ponto de partida num dos seus pressupostos básicos: a teologia deve fundamentar-se sobre a análise da realidade socio-política da mulher. Ela não começa com o texto da Escritura, mas com o contexto sócio-vivencial feminino, como sendo oprimida numa sociedade machista. Rosemary R. Ruether delineia as bases da hermenêutica feminista "quando falamos da experiência das mulheres como uma chave hermenêutica (ou teoria da interpretação), estamos nos referindo exatamente àquela experiência que ocorre, quando as mulheres criticamente se tornam conscientes das experiências falsificantes e alienantes impostas a elas, como mulheres, através de uma cultura dominada por homens. A experiência das mulheres é, desta forma, em si um evento da graça, uma introdução do poder libertador que procede do que está além do contexto cultural patriarcal, que as permite criticar e resistir a essas interpretações androcêntricas sobre quem e o que elas são."[3]

A adoção do pressuposto subjetivo da “opressão” é essencial na interpretação das Escrituras. A teologia feminista se propõe denunciar todos os textos e tradições que perpetuam as estruturas e ideologias patriarcais consideradas opressivas. Loren Wilkinson observa que a teóloga feminista “Elizabeth Schüssller Fiorenza, por exemplo, em Bread, Not Stones, argumenta que as mulheres devem tomar como ponto de partida a definição da sua situação de opressão, e depois abrir a sua Bíblia, a fim de descobrir o meio de alcançar a libertação.”[4]

Além da “opressão”, outro pressuposto da Teologia Feminista é que a “experiência” feminina possui determina o resultado e a ação teológica. Christine Schaumberger observa que "o que é novo e especificamente feminista não é, pois, o realce sobre a categoria teológica da experiência, mas sim o concentrar-se no perceber e no refletir as experiências femininas. Experiências femininas é o ponto de partida da teologia feminista, e a medida para a crítica, o engajamento e o compromisso, para a criatividade re-visionária."[5]

Entretanto, Schaumberger não define o que ela quer dizer teologicamente com “experiência” (do alemão erfahrung) dificultando a análise da sua tese. Na nova hermenêutica a interpretação e sistematização do ensino não é algo extraído das Escrituras, mas da experiência subjetiva do intérprete que impõe sobre o texto sagrado a sua opinião. Robert H. Stein conclui que “em razão disso, há ‘leituras’ ou interpretações marxistas, feministas, liberais, igualitárias, evangélicas ou arminianas do mesmo texto. Ou seja, para esta corrente os vários significados legítimos podem ser extraídos mediante a concepção de cada intérprete.”[6] A premissa de Schaumberger despreza que o fator determinante do significado do texto é o seu autor. Augustus Nicodemus observa que “as hermenêuticas feministas são uma variedade de reader response, baseados nos conceitos de Gadamer.”[7]

Uma avaliação final
Discordando da Hermenêutica Feminista e unindo-me aos intérpretes que adotam o método gramático-histórico, afirmo que a passagem significa aquilo que o autor original, com consciente intenção, inspirado plenariamente, quis dizer ao redigir o texto. A formulação teológica não depende da experiência de gênero do intérprete, ou da percepção da realidade a partir da sua sexualidade, mas da precisa exegese do texto em sua estrutura gramatical, do seu contexto histórico e da sistematização das informações extraídas a partir das Escrituras.

Este subjetivismo é uma característica das novas hermenêuticas que surgiram no século XX. Moisés Silva observa que “se há algo diferente na hermenêutica contemporânea é justamente a ênfase que ela dá à subjetividade e relatividade da interpretação.”[8] A hermenêutica feminista não é uma exceção entre as novas hermenêuticas que surgiram no século XX.

Notas:
[1] As teólogas mais expressivas do movimento subscreveram que “não pretendemos oferecer uma dogmática feminista unificada, e esperamos que tal coisa nunca venha a existir. Também não nos foi possível, nem foi pretensão nossa, chegar a uma perfeita homogeneidade dos diferentes artigos” in: Elisabeth Gössmann, et.al., orgs., Dicionário de Teologia Feminista (Rio de Janeiro, Editora Vozes, 1997), págs. 10-11.
[2] Helen Schüngel-Straumann, "Bíblia" in: Elizabeth Gossmann et al., orgs., Dicionário de Teologia Feminista (Petrópolis, Editora Vozes, 1997), págs. 210-214.
[3] Rosemary R. Ruether, “Feminist Interpretation: A Method of Correlation”, in: Feminist Interpretation of the Bible, ed. Letty M. Russel (Philadelphia, Westminster Press, 1985), pág. 114.
[4] Loren Wilkinson, "A Hermenêutica e a Reação Pós-Moderna Contra a 'Verdade'" in: Elmer Dyck, ed., Ouvindo a Deus (São Paulo, Shedd Publicações, 2001), pág. 160.
[5] Christine Schaumberger, "Experiência" in: Elizabeth Gossmann et al., orgs., Dicionário de Teologia Feminista (Petrópolis, Editora Vozes, 1997), pág. 183.
[6] Robert H. Stein, Guia Básico para a Interpretação da Bíblia (Rios de Janeiro, CPAD, 1999), pág. 23.
[7] Augustus Nicodemus Lopes, A Bíblia e seus intérpretes (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2004), pág. 232.
[8] Moisés Silva, "Visões Contemporâneas da Interpretação Bíblica" in: Walter C. Kaiser, Jr. & Moisés Silva, Introdução à Hermenêutica Bíblica (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2002), pág. 233.

Rev. Ewerton B. Tokashiki

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