04 julho 2007

Análise comparativa de 1 Co 11:27

A constatação do apóstolo Paulo de que os cristãos coríntios participavam da Ceia do Senhor de maneira indigna tem trazido divergência de interpretação quanto ao seu exato significado. Algumas dessas interpretações serão expostas a seguir numa análise comparativa.

Thomas C. Oden prefere uma interpretação moral para indignamente. Em vez de recorrer a palavra grega original, ou, ao contexto próximo da passagem, ele busca uma relação com a desqualificação moral do caráter de alguns cristãos coríntios. Citando alguns versículos Oden concebe a seguinte ponte “aqueles que tem um procedimento desordenado são admoestados (2 Ts 3:6-15). Alguns ‘devem examinar a si mesmos antes de comer do pão e beber do cálice. Pois o que come e bebe sem discernir o corpo do Senhor, come e bebe juízo para si’ (1 Co 11:28-29). Paulo especificamente instrui os coríntios que ele não deveriam comer ‘com alguém que chamasse a si mesmo de irmão, mas que era sexualmente imoral ou ganancioso, um idólatra ou um caluniador, beberrão ou mentiroso’ (1 Co 5:11).”[1] Entretanto, o advérbio indignamente refere-se ao modo da ação, não especificamente ao caráter do agente.

Leon Morris sugere que a participação digna da Ceia deve ser com fé. Ele declara que “mas noutro sentido podemos vir dignamente, isto é, com fé, e com a devida realização de tudo que é pertinente a tão solene rito. Negligenciar nisto é vir indignamente no sentido aqui censurado.”[2] Todavia, os que participavam da Ceia não estavam sendo reprovados por sua falta de fé. Nem por permitirem a participação de incrédulos. A sua reprovação era por desprezar o cerimonial da Ceia e a comunhão dos irmãos.

O teólogo da antiga Princeton Charles Hodge defende que a participação indigna significa participar com espírito negligente e irreverente. Ele diz que “se a Ceia do Senhor é em sua própria natureza uma proclamação da morte de Cristo, conseqüentemente que os que participam dela como se fosse uma comida ordinária, ou de maneira irreverente, ou com qualquer outro propósito que o moveu a realizá-la, são culpados do corpo e do sangue do Senhor.”[3] Em seguida define dizendo que “comer ou beber indignamente é, em geral, vir a mesa do Senhor com espírito negligente e irreverente; sem intenção nem desejo de comemorar a morte de Cristo como sacrifício por nossos pecados, e sem o propósito de cumprir as obrigações que com ela contraímos.”[4] Hodge cai no erro de interpretar a participação indigna como sendo um problema subjetivo.

O comentarista F.W. Grosheide relaciona o significado da indignidade ao errôneo uso da Ceia. Ele argumenta que “indignamente: isto implica que uma certa dignidade, ou valor está relacionado com o pão e o cálice. Aquele que os utiliza sem levar em conta o seu valor, os usa de um modo indigno, ou seja, não está de acordo com o seu valor. Um tão indigno uso os coríntios fizeram da Comunhão quando serviram-na, seguida duma festa do amor unida pela discórdia.”[5] Embora Grosheide capte o significado original da palavra indignamente, ele o erra em sua aplicação. Defende que o erro dos coríntios era ter a Ceia do Senhor como sendo de inferior valor, por realizá-la após uma festa. Deve-se notar que ele pressupõe um modelo de ceia greco-romana. A igreja de Corinto teria apenas feito uma ligeira adaptação para celebrar a Ceia do Senhor após a refeição principal. Como nas refeições greco-romanas, a principal e mais importante era a primeira refeição, servida para a nutrição, a que era servido em seguida objetivava encerrar o jantar, mas não tinha valor nutritivo. Esta concepção torna-se insustentável pelo fato, que não é provável que a Igreja Primitiva tenha mudado a sua prática litúrgica tão cedo, abandonando o modelo da ceia pascal judaica, pela ceia greco-romana. A história aponta para a preservação da tradição original, pelo menos nos primeiros dois séculos.[6]

C.K. Barret interpreta que o indignamente é posicionar-se com hostilidade aos irmãos durante a Ceia. Barret declara “o que Paulo entende por indignamente é explicado pelos versos 21 em diante; ele pensa das falhas morais de partidarismo e ganância que marcavam a reunião dos coríntios.”[7] Continua esclarecendo que “comer e beber indignamente (no sentido indicado acima) é contradizer tanto o propósito da auto-entrega de Cristo, e o espírito no qual foi feito, e situar-se entre aqueles que foram responsáveis pela crucificação, e não entre aqueles que pela fé receberam o seu fruto.”[8] A segunda citação possuí uma implicação lógica que é verdadeira. Mas, ela não se encontra de modo objetivo na passagem (11:17-34). Logo, não é possível incluí-la como um aspecto da indignidade que Paulo estava reprovando.

John F. MacArthur Jr. sustenta que a indignidade refere-se a uma depreciação da cerimônia. Comenta que “vir indignamente à Comunhão é uma simples desonra a cerimônia; é uma desonra Àquele a quem a honra é celebrada. Tornamo-nos culpados de desonrar o seu corpo e sangue, que representam a Sua obra e completa graça por nós, Seu sofrimento e morte em nosso favor.”[9] A interpretação de MacArthur é parcial. Ao expor que os coríntios estavam desonrando a cerimônia, omite os abusos cometidos entre os cristãos coríntios (cf. vs. 17-22, 33-34).

Simon Kistemaker prefere uma interpretação inclusiva. Reconhece que há uma variada gama de definições acerca do significado da maneira indigna que a Ceia foi realizada. Simplesmente prefere assumir que "talvez Paulo tenha pretendido que o advérbio indignamente fosse interpretado de modo mais amplo possível. É verdade que alguns dos coríntios mostravam falta de amor, enquanto outros deixaram de distinguir entre a festa de fraternidade e a observância da Santa Ceia. Ambos estavam errados, e Paulo os confronta. Mas o texto tem uma mensagem para a Igreja universal, também. Os cristãos nunca devem considerar a celebração um mero ritual. Ao contrário, os crentes sinceros devem aguardar com alegria a Ceia do Senhor. Os cristãos devem confessar não serem dignos por causa do pecado, mas terem sua posição de dignidade por causa de Cristo. Paulo não está exigindo perfeição antes que se permita aos crentes virem à mesa da comunhão. Ele defende um estilo de vida governado pelas reivindicações do evangelho de Cristo, e que tribute o mais alto louvor a Deus."[10] É possível que Kistemaker tenha razão. Mas, parece que a passagem trata de um problema bem específico. Entretanto, pelo fato do apóstolo exigir um auto-exame, e indicar a ocorrência de disciplinas distintas, e por fim fazer uma recomendação dirigida a mutualidade (esperai uns pelos outros, vs. 33), é mais correto pensar que a participação indigna na Ceia também poderia ser um problema específico.

Notas:
[1] Thomas C. Oden, Life in the Spirit: Systematic Theology (Peabody, Prince Press, 2001), vol. 3, p. 326.
[2] Leon Morris, 1 Coríntios Introdução e Comentário (São Paulo, Ed. Vida Nova e Mundo Cristão, 1988), p. 131.
[3] Charles Hodge, Comentário de 1 Corintios (Edinburg, El Estandarte de la Verdad, 1996), p. 212.
[4] Charles Hodge, Comentário de 1 Corintios, p. 213.
[5] F.W. Grosheide, Commentary on the First Epistle to the Corinthians (Grand Rapids, Wm. B. Eerdmans Publishing Company, 1953), pp. 273-274.
[6] Justino (100-165 d.C) descreve a celebração da Ceia da seguinte forma “depois àquele que preside aos irmãos é oferecido pão e uma vasilha com água e vinho; pegando-os, ele louva e glorifica ao Pai do universo através do nome do Filho e do Espírito Santo (...) depois que o presidente deu ação de graças e todo o povo aclamou, os que entre nós se chamam ministros ou diáconos dão a cada um dos presentes parte do pão e do vinho e da água sobre os quais se pronunciou a ação de graças e os levam aos ausentes.”Justino de Roma, 1 Apologia in: Patrística (São Paulo, Ed. Paulus, 1995), pp. 81-82.
[7] C.K. Barret, The First Epistle to the Corinthians (Peabody, Hendrickson Publishers, 1996), p. 272.
[8] C.K. Barret, The First Epistle to the Corinthians, p. 273.
[9] John F. MacArthur, Jr., The MacArthur New Testament Commentary 1 Corinthians (Chicago, Mood Press, 1984), p. 274.
[10] Simon Kistemaker, Comentário do Novo Testamento: 1 Coríntios (São Paulo, Ed. Cultura Cristã, 2004), p. 557.

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