28 dezembro 2006

Breve histórico da Igreja Presbiteriana dos EUA

Os puritanos de convicção presbiteriana imigraram para os Estados Unidos da América, quando esta ainda era uma colônia da Inglaterra. Durante a colonização do novo mundo, os presbiterianos chegaram da Europa, e se estabeleceram no hemisfério Norte dos EUA, participando da formação das primeiras treze colônias. Estas treze colônias buscaram a sua independência da Inglaterra, dando origem a Revolução Americana. A história registra que pelo menos catorze presbiterianos assinaram a “Declaração de Independência”, sendo o mais conhecido deles o Rev. John Witherspoon.

O primeiro presbitério se formou na Philadelphia, em 1705. Mas, em 1837, a Igreja Presbiteriana dividiu-se internamente entre dois grupos que ficaram conhecidos como a “Nova Escola” e a “Velha Escola”. O desentendimento era causado pelas questões sobre a cooperação na formação teológica dos ministros e possibilidade de unificação entre a Igreja Presbiteriana e a Igreja Congregacional, pois a Velha Escola era teologicamente mais conservadora, e rejeitou a cooperação por questões de desvios doutrinários da parte de alguns pastores congregacionais.

Em 1861, por causa da Guerra civil, a Igreja Presbiteriana se dividiu em linhas nacionais, ou seja, os presbiterianos do Norte e do Sul separaram-se em duas denominações. Os presbiterianos do Sul se uniram em 1861, e formaram a Presbiterian Church of USA (PCUS), e os do norte se uniram em 1869, e formaram a Presbiterian Church of USA (PCUSA). Esta divisão consolidou-se com a Guerra Civil americana que durou quatro anos, de 1861 a 1865. Este cisma ocorreu devido aos problemas com a interpretação da Escritura acerca da escravatura. Entretanto, os presbiterianos do Sul afirmam que eles não dividiram do norte motivados pela questão da escravatura, mas, por causa da imposição de lei nacional sobre a igreja do Sul. Foi neste período que o Rev. Ashbel G. Simonton foi enviado como missionário para o Brasil pela Junta de New York, da Igreja do Norte, embora posteriormente, a Junta de Nashville, da Igreja do Sul também enviou os seus missionários.

Os presbiterianos do norte e do sul reunificaram-se somente em 1983, cento e vinte e dois anos após o cisma. Naquela época, a Igreja do norte era conhecida como a United Presbyterian Church, porque em 1958 a Presbiterian Church of the United States havia se unido com a United Presbyterian Church, e a nova denominação adotou o nome de United Presbyterian Church. Esta divisão durou mais de meio século, e que terminou em Junho de 1883, quando se reuniram as duas Igrejas conhecidas até esse momento como a United Presbyterian Church of USA (PCUSA que era do norte) e a Presbyterian Church in the U.S. (PCUS do sul). A união das duas denominações forjou a United Presbyterian Church of USA (UPCUSA).

Em 1924, cerca de 1300 ministros presbiterianos assinaram a liberal Declaração de Auburn, que nega a inerrância da Bíblia, e declara que a crença em doutrinas essenciais, como a expiação substitutiva de Cristo e a sua ressurreição corpórea não deveriam ser “testes para a ordenação, ou para a boa norma da nossa igreja.” A United Presbyterian Church in the United States of America (UPCUSA) é um ramo do norte do Presbiterianismo dos EUA. Ela foi formada pela união da Presbyterian Church in the United States of America (PCUSA - o principal ramo da Igreja Presbiteriana do norte) com a United Presbyterian Church of North America (uma pequena igreja de tradição escocesa sucessora dos Pactuantes) em 1958. A UPCUSA mantém a Confissão de Fé e os Catecismos de Westminster, mas acrescentou outras confissões e guias doutrinários (opondo-se aos “restritos” padrões) em seu Book of Confessions, como também criou a Confession of 1967 como uma contemporânea declaração de fé.

O Princeton Theological Seminary em New Jersey, representou por muitas décadas a ortodoxia presbiteriana dentro da UPCUSA. Mas, em 1929, a sua Junta [Conselho Diretor] foi reorganizada com uma decisão de colocar professores liberais para lecionar na faculdade. Quatro professores deixaram o Princeton Theological Seminary e fundaram o Westminster Theological Seminary na Philadelphia como uma instituição independente para dar continuidade ao ensino do Cristianismo bíblico.[1]

O grande opositor ao liberalismo dentro da UPCUSA naqueles dias foi J. Gresham Machen. Era um ministro presbiteriano e professor no Princeton Theological Seminary, e posteriormente no Westminster Theological Seminary. Quando J. Gresham Machen denunciou que o liberalismo teológico havia contaminado a junta de missões da UPCUSA, a Assembléia Geral nada fez acerca do assunto. Por causa disto, em 1933, ele e outros reivindicando a genuína pregação do evangelho estabeleceram The Independent Board for Presbyterian Foreign Missions. Em 1934, a Assembléia condenou a sua ação, e foi deposto do seu ofício. Em resposta, 34 ministros, 17 presbíteros regentes, e 79 leigos reuniram-se na Philadelphia, em 11 de Junho de 1936, para constituir a Presbyterian Church of America, que posteriormente, em 1939, o nome da nova igreja foi mudado para Orthodox Presbyterian Church (OPC). Quando foi organizada, a OPC perdeu para a PCUSA todo o seu patrimônio, especialmente os templos.

A Orthodox Presbyterian Church que começou no norte dos EUA, mas implantou novas igrejas na região Sul. Outro grupo enfraqueceu a OPC, quando dividiram formando a dividiu da Reformed Presbyterian Church, Evangelical Synod. Este grupo separou-se da OPC sob a liderança de Rev. Carl McIntyre, por causa de discussões que envolveram questões da liberdade cristã, adotavam o Dispensacionalismo, mantendo um maior vínculo com o movimento Fundamentalista. O grupo que se separou da OPC em 1937, ficou conhecido como Bible Presbyterian Church, e mais tarde mudou o seu nome para Evangelical Presbiterian Church, e então, tornou-se a Reformed Presbyterian Church, Evangelical Synod (RPC). Em 1982, a Reformed Presbyterian Church, Evangelical Synod, uniu-se com a Presbyterian Church in America. A Reformed Presbyterian Church, Evangelical Synod havia se formado em 1965 por uma união da Evangelical Presbyterian Church e da Reformed Presbyterian Church in North America, General Synod.

Surge outra denominação presbiteriana de orientação teológica Reformada. Em dezembro 1973, delegados, representando cerca de 260 congregações com aproximadamente 41.000 membros comungantes deixaram a Presbyterian Church in the United States (a PCUS da região do sul). Separaram da PCUS em oposição ao liberalismo teológico que negava a divindade de Jesus Cristo, a inerrância e a autoridade de Escritura. A PCA manteve a posição tradicional acerca de que as mulheres não devem receber o governo como oficiais da Igreja. Então, reunidos na Briarwood Presbyterian Church, no Alabama, organizaram a National Presbyterian Church, que se transformou mais tarde, em 1974, na Presbyterian Church in América (PCA). Embora esta denominação tenha iniciado no sul, atualmente tem novas congregações no Norte e no Oeste dos EUA.

A maior das denominações presbiterianas é a PCUSA, mas, está perdendo muitos dos seus membros por causa do seu pluralismo [e liberlismo] teológico. A segunda mais expressiva denominação presbiteriana é a PCA, que está crescendo, como também a OPC, embora ainda sejam pequenas denominações mantém-se como referências da ortodoxia reformada nos EUA.

Rev. Ewerton B. Tokashiki

23 dezembro 2006

Resgatando o significado do Natal

Para aqueles que desejam refletir acerca do significado bíblico do Natal, indico o artigo do Dr. Augustus Nicodemus com o título Não sou totalmente contra o Natal.

No meu blog pode-se ler um artigo mais conciso, com uma abordagem um pouco diferente, com o título Celebrando a nova Aliança no Natal.

Boa leitura, e feliz verdadeiro Natal, em Cristo Jesus

Rev. Ewerton B. Tokashiki

20 dezembro 2006

Carta do Diabão para a Igreja de Cristo

Saudações meus caros!

Quero primeiramente agradecer àqueles que têm facilitado o meu difícil trabalho. Sinceramente me orgulho em ter alguns amigos cooperando comigo, nesta tão querida igreja. Sou grato por estarem fazendo o meu trabalho. Consigo economizar tempo e esforço para planejar outras coisas. Quero agradecer e reforçar solicitando, especialmente, por estes assuntos abaixo:

1. Continuem formando as panelinhas, dividam as opiniões, causando desordem e confusão para que a liderança se estresse tentando resolver;

2. Economizem o seu dízimo e as ofertas. Quem realmente precisa de dinheiro são vocês, meus queridos;

3. Zombem dos professores da Escola Dominical, eles nada têm a ensinar, vocês são os verdadeiros "sabe-tudo";

4. Desprezem a liderança da igreja, critiquem e não contribuam;

5. Orar? Pra quê? Deus já sabe tudo! Afinal, Ele é muito ocupado, para cuidar da sua vida. Não percam tempo orando, façam vocês mesmos. Sejam mais autoconfiantes;

6. Dêem um descanso para as suas Bíblias. Ela está tão surrada, tão usada! Se vocês as amam, guardem-na com carinho. Evitem folheá-las, e quanto menos lê-las, melhor! Vocês poderão preservá-las por muitos anos guardada-as na gaveta. Afinal, vocês já sabem tanto, não há necessidade de se aprender mais. Como seu amigo, me preocupo com vocês, não quero que fiquem loucos de tanto ler a Bíblia;

7. Vocês são os donos da igreja! As melhores idéias são suas. A sua opinião sempre é a mais sábia! Vocês são os mais preparados. Vocês tê0m mais dinheiro. Isso mesmo, vocês são quem mandam;

8. Critiquem uns aos outros. Analisem bem os seus defeitos e notifiquem-se de que todos os membros saberão de todos os erros, pecados e escândalos que ocorrem com as famílias da igreja;

9. Quanto aos músicos não percam tempo ensinando a igreja a cantar. O que ela quer mesmo é vê-los exibindo um bem animado “show”, enquanto assiste admirada os arranjos que vocês conseguem fazer com os seus instrumentos e vozes;

10. Não percam tempo em visitar os enfermos. Sejam realistas, logo, logo, eles estarão bem e sadios, e nem vão te agradecer pela sua visitinha;

11. Não se esqueçam de difamar o pastor. Nem dêem ouvidos ao que ele diz. O pastor só fala de assuntos chatos, como santidade, família, evangelização, comunhão, missões, etc., tudo isso exige muito esforço. É muito importante, também, que vocês ensinem os seus filhos a desrespeitar e criticar o pastor;

12. Não se preocupem em vir aos cultos, vocês não fazem falta! Certamente, vocês possuem bons motivos para faltar nos cultos. Se chover, tem muito barro; se for sol, faz calor; se for frio cuidado com o seu reumatismo. E lembre-se o quanto é cansativo ficar sentado o culto todo! Vocês deveriam desfrutar mais da sua casa, e ir menos nas reuniões da igreja. Não podemos nos esquecer da querida TV, e dos elaborados programas que passam bem no horário dos cultos, que coincidência! Puxa tem tanto filme legal na locadora que seria um crime não assistir na noite de domingo.

Não se preocupem com os novos convertidos, em breve, com o seu exemplo eles estarão tão maduros quanto vocês, no mesmo desânimo e mornidão. O seu mau testemunho sempre é útil para escandalizá-los.

Novamente agradeço por facilitarem o meu difícil trabalho. Sinceramente não sei o que seria de mim se vocês não cooperassem comigo. Não se preocupem com mudanças, nem se esforcem por melhorias, apenas obedeça “a lei do menor esforço”. Continuem assim, e em breve estaremos juntos, tirando umas merecidas férias, por toda a eternidade.

Do seu mui amigo, o Diabão.

Rev. Ewerton B. Tokashiki
Artigo fictício
20/12/2006 revisado

12 dezembro 2006

Chuta que é macumba

Há muitos anos atrás me envolvi com o movimento Batalha Espiritual. Lembro quando o primeiro livro Este Mundo Tenebroso de Frank Peretti foi lançado, foi uma loucura! Implantou-se entre os evangélicos uma percepção da realidade totalmente demonizada! Deus deixou de ser o centro das atenções e a preocupação teve como prioridade "amarrar Satanás". Hoje, graças à Deus, coloquei as idéias no lugar, e estou estudando um pouco mais a Bíblia, e descobri que bem pouco de fidelidade à Escritura existe neste movimento. Num precisa dizer que abandonei este troço!?

O problema central do movimento Batalha Espiritual é que ele é demonologocêntrico (desculpem-me o neologismo), ou seja, tudo é causado pelo demônio! Bom já seria ruim se fosse só isso. Mas, toda cosmovisão tem implicações intensas. Olhando o mundo à partir das lentes do movimento Batalha Espiritual, se vê demônio em tudo. Tem capeta prá tudo que é gosto, lugar e função.

Mesmo enquanto adotava a mentalidade deste movimento, fiquei horrorizado quando, certa feita fui num culto, numa dessas igrejas que você num sabe o que está, nem o que vai acontecer! Pois é, de repente, o pastor [?] gritou: "manifeste-se! Eu sei que você está aqui!" E, olha que aquilo não foi a introdução do sermão, mas uma pausa para pararmos de focalizar a nossa adoração e pensamentos em Cristo, para bater um papo com o Tinhoso. Como nada aconteceu, nenhuma manifestação demoníaca, o tal pastor continuou e teve a coragem de dar a esfarrapa desculpa de que o "Espírito Santo havia lhe revelado que haviam pessoas naquele momento que estavam dando lugar ao diabo". Bom, esse negócio do Espírito Santo ficar falando toda hora, trazendo revelações fresquinhas que não estão na Escritura, é outro negócio muito complicado. Mas, dizer que crentes estavam dando lugar ao diabo, é no mínimo uma frase sem sentido.

Os caras que estão envolvidos no movimento crêem que para evangelizar é necessário antes fazer demarcação territorial para saber quais e quantos demônios mandam naquele pedaço. A maioria das suas orações têm uma boa porcentagem de conversa com o demônio. O culto de adoração inclui na liturgia um momento de exorcismo [no estilo "xô Satanás"]. Simplesmente, porque Deus deixou de ser o soberano Senhor e regente do universo, e os demônios entraram na S/A (sócios anônimos) de toda a propriedade que Deus criou. Não me perguntem como se explica isto, num encontrei este ensino em lugar nenhum da Bíblia!

Tem um pastor por aí que diz que foi expulsar o demônio de uma pessoa e ela vomitou uma cobra! Cada bizarrice que choca o mais crédulo dos evangélicos. Fico muito preocupado, porque em nosso meio se deixa de viver o antigo e puro evangelho de Cristo, e estamos presenciando a prática de uma verdadeira macumbaria evangélica! Se você acha que estou sendo exagerado, ligue a TV e veja alguns canais que apresentam "cultos evangélicos" onde tem pastor até vestindo roupa branca na sexta-feira, parecendo uns "pais-de-santo".

Chego a pensar que a síndrome de Adão não ficou lá no Jardim do Éden. Ainda hoje continuamos com a mania de querer transferir para o Diabo a causa da nossa desobediência [embora, não nego que Satanás tenha a sua significativa parcela de culpa], mas, vamos pôr menos culpa no infeliz do "Coisa ruim", e assumir a nossa responsabilidade diante de Deus, com as pessoas, vivendo o nosso chamado de obediência à Palavra de Deus. Soli Deo Gloria!

Rev Ewerton B Tokashiki

07 dezembro 2006

A origem do ofício de presbítero

A palavra “presbítero” é uma transliteração do grego presbyterós, que significa literalmente “ancião”. No sentido do Novo Testamento, quando se refere à liderança da Igreja Cristã, indica uma pessoa que possuí um ofício de autoridade, mas, em outros contextos do grego coinê,[1] pode-se referir simplesmente a um homem idoso. A palavra presbyterion encontrado em Lc 22:66; At 22:5 e 1 Tm 4:14 significa “concílio de anciãos”. Herman Ridderbos observa que o ofício de presbítero “certamente possuí antecedentes patriarcais e se originou no judaísmo, onde é a designação de uma classe social.”[2] Então, não era necessariamente a liderança realizada somente por homens idosos, mas idôneos. A palavra indica no Novo Testamento não a maturidade biológica, mas a espiritual, ou seja, não especificamente a sua idade, mas a transformação que o discípulo de Cristo alcançou sobressaindo aos demais, deixando de ser considerado neófito (1 Tm 3:6).

Desde o Antigo Testamento o sistema de governo é exercido através de anciãos (presbíteros). Tanto Moisés, como os sacerdotes e levitas, os juízes e os reis de Israel, eram auxiliados pelos “anciãos de Israel” (Êx 3:16-18; 4:39; 17:5-6; 18:13-17; 19:7; 24:1, 9-11; Lv 4:15; 9:1-2; Nm 11:14-25; Dt 5:23; 22:15-17; 27:1; Js 7:6; 8:33; Jz 21:16; 1 Rs 8:1-3; 1 Cr 21:16; Sl 107:32; Ez 8:1). Este era o exercício comum de governo do povo de Deus na antiga Aliança.

A prática do povo de Israel de ser governado pelos anciãos (presbíteros) continuou no Novo Testamento. O julgamento de Jesus foi realizado no amanhecer, quando “reuniu-se a assembléia dos anciãos do povo, tanto os principais sacerdotes como os escribas, e o conduziram ao Sinédrio...” (Lc 22:66; veja também At 22:5).

O sistema de governo pelos anciãos (presbíteros) foi mantido num processo natural de continuidade da antiga para a nova Aliança na Igreja Cristã. Paulo não inventou um novo sistema de governo para as igrejas que implantou, apenas o adaptou para uma perspectiva e necessidade cristã. A pluralidade de anciãos (presbíteros) em cada igreja local era o padrão estipulado para que aquela comunidade pudesse ser governada. Esta era a prática de Paulo (At 14:23), e foi assim que ele instruiu os pastores que lhe sucederam (2 Tm 2:2; Tt 1:5). Rudolf Bultmann conclui que "um conselho dos “presbíteros” é por excelência uma instituição na qual se unem a validade de autoridade ex officio; e justamente por meio dele a autoridade de lideranças pôde ser fortalecida. A formação de um colégio de presbíteros também não foi algo extraordinário, porque a comunidade cristã procedeu também neste ponto conforme o modelo das comunidades sinagogais judaicas; quanto à sua forma, a comunidade primitiva apresentava-se inicialmente como uma sinagoga dentro do judaísmo."[3]

Os presbíteros sucederam aos apóstolos como liderança da Igreja. Enquanto os apóstolos ainda eram vivos, os presbíteros simultaneamente exerciam o governo ao seu lado (At 11:30; 15:2; 20:17-35; Tg 5:14; 1 Pe 5:1-4). Quando o apostolado cessou, os presbíteros continuaram, e são estes que devem governar a Igreja, como substitutos dos apóstolos e representantes da autoridade de Cristo. Como já foi observado o apostolado foi um ofício transitório. Não há apóstolos hoje. Eles formavam um grupo único com as seguintes características:[4]
1. Eles foram pessoalmente escolhidos, chamados, instruídos e designados por Cristo, e não por qualquer outra instituição humana.
2. Eles foram testemunhas oculares do Jesus histórico (Mc 3:14; Jo 15:27; At 1:21,22; 1 Co 9:1; 15:8-9).
3. Foi-lhes prometido uma inspiração especial do Espírito Santo, que iria tanto lembra-los de tudo o que Jesus lhes ensinou, guiando-os à toda verdade (Jo 14:25-26; 16:12-15).

Os apóstolos participaram desta transição de autoridade. (1 Pe 5:1; 2 Jo vs.1; 3 Jo vs.1). Houve uma transferência de autoridade dos apóstolos para os presbíteros. Quando o ofício apostólico desapareceu permaneceram apenas os presbíteros que foram instituídos, ordenados e estabelecidos em todas as igrejas. Esta transição pode ser verificada através de documentos nos primeiros séculos da Igreja. Clemente de Roma, entre 95 a 98 d.C., afirma que os apóstolos "pregavam pelos campos e cidades, e aí produziam suas primícias, provando-as pelo Espírito, a fim de instituir com elas bispos e diáconos dos futuros fiéis. Isso não era algo novo: desde há muito tempo, a Escritura falava dos bispos e dos diáconos. Com efeito, em algum lugar está escrito: 'estabelecerei seus bispos na justiça e seus diáconos na fé.'"[5]

Em outro lugar ele ainda menciona os termos episcopado, geralmente traduzido por bispo ou supervisor, e presbíteros, como sendo intercambiáveis. Ele afirma que os "nossos apóstolos conheciam, da parte do Senhor Jesus Cristo, que haveria disputas por causa da função episcopal. Por esse motivo, prevendo exatamente o futuro, instituíram aqueles de quem falávamos antes, e ordenaram que, por ocasião da morte desses, outros homens provados lhes sucedessem no ministério. Os que foram estabelecidos por eles ou por outros homens eminentes, com a aprovação de toda a igreja, e que serviram irrepreensivelmente ao rebanho de Cristo, com humildade, calma e dignidade, e que durante muito tempo receberam o testemunho de todos, achamos que não é justo demiti-los de suas funções. Para nós, não seria culpa leve se exonerássemos do episcopado aqueles que apresentaram os dons de maneira irrepreensível e santa. Felizes os presbíteros que percorreram seu caminho e cuja vida terminou de modo fecundo e perfeito. Eles não precisam temer que alguém os afaste do lugar que lhes foi designado."[6]

O mais antigo manual de catecúmenos, conhecido como Didaquê, instrui que “escolham para vocês bispos e diáconos dignos do Senhor. Eles devem ser homens mansos, desprendidos do dinheiro, verazes e provados, porque eles também exercem para vocês o ministério de profetas e mestres.”[7] Novamente, usa-se o título bispo em lugar de presbíteros para se referir ao mesmo oficial. Não é ao sistema episcopal que os autores da Didaquê fazem menção, pois estes bispos eram eleitos pela igreja, e não por um colégio episcopal.


Notas:
[1] William D. Mounce, The Anayitical Lexicon to the Greeek New Testament (Zondervan Publishing House, 1992), p. 389.
[2] Herman Ridderbos, El Pensamiento del Apóstol Pablo (Grand Rapids, Libros Desafio, 2000), p. 592.
[3] Rudolf Bultmann, Teologia do Novo Testamento (São Paulo, Editora Teológica, 2004), p. 540-541.
[4] John R.W. Sott, O chamado para líderes cristãos (São Paulo, Ed. Cultura Cristã, 2005), p. 16.
[5] Clemente de Roma in: Padres Apostólicos (São Paulo, Ed. Paulus, 1995), vol. 1, p. 53. Clemente cita o livro de Is 60:17 na versão grega do AT conhecida como Septuaginta.
[6] Clemente de Roma in: Padres Apostólicos, vol. 1, p. 54-55.
[7] Didaquê in: Padres Apostólicos, vol. 1, p. 358.

Rev. Ewerton B. Tokashiki

05 dezembro 2006

Calvino e as novas revelações

Os fanáticos, pondo de lado a Santa Escritura, passam por cima da revelação e subvertem todos os princípios da piedade

APELO DOS FANÁTICOS AO ESPÍRITO EM PREJUÍZO DA ESCRITURA

Além disso aqueles que repudiam as Escrituras, imaginando que podem ter outro caminho que o leve a Deus, devem ser considerado não tanto como dominados pelo erro, mas como tomados por violenta forma de loucura. Recentemente, apareceram certos tipos de mau caráter que atribuindo a si mesmos, com grande presunção, o magistério do Espírito, faziam pouco caso de toda leitura da Bíblia, e riam-se da simplicidade dos que ainda seguem o que esses, de mau caráter, chamam de letra morta e que mata.

Eu gostaria de saber deles, porém, que Espírito é esse por cuja inspiração eles são levados a alturas sublimadas, a ponto de terem a ousadia de desprezar, como infantil e rasteiro, o ensino da Escritura. Se eles responderem que é o Espírito de Cristo quem os inspira, consideramos absurdamente ridículo esse tipo de certeza uma vez que eles, se concordam, como penso que o fazem, que os Apóstolos de Cristo e todos os fiéis, na Igreja Primitiva, foram iluminados por esse mesmo Espírito. O fato é que nenhum dos Apóstolos ou fiéis aprenderam desse Espírito a desprezar a Palavra de Deus. Ao contrário, cada um deles foi antes tomado de profunda reverência (para com a Escritura), como seus escritos o comprovam muito luminosamente. Na verdade, assim foi predito pela boca do Isaías, pois o Profeta não cerca o povo antigo com um ensino meramente externo, como se fosse para o povo como as primeiras letras, mas diz: "O meu Espírito que está sobre ti, e as minhas palavras que pus na tua boca, não se desviarão da tua boca nem da boca tua descendência..." (Is 59.21), considerando antes que a nova Igreja terá, sob o reino de Cristo, a verdadeira e plena felicidade, que consiste em ser regida pela voz de Deus, não menos que pelo seu Espírito. Concluímos daqui que esses fanáticos cometem abominável sacrilégio quando separam estes dois elementos que o Profeta uniu por meio de um vínculo inviolável.

A isto, acrescente-se que Paulo, não obstante ter sido arrebatado até o terceiro céu (II Co 12.2) - não deixou, entretanto, de aproveitar o ensino da Lei e dos Profetas, exortando também a Timóteo - mestre de projeção singular - a que se dedicasse à sua leitura (1 Tm 4.13). É também digno de ser lembrado aqui o que Paulo diz da Escritura: "Que ela é útil para ensinar, admoestar, redargüir, para que os servos de Deus se tornem perfeitos" (II Tm 3.16). Não será, portanto, diabólica loucura imaginar como transitório ou temporário o valor da Escritura, destinada a conduzir os filhos de Deus até a perfeição final?

Quero que esses fanáticos me respondam também o seguinte: Terão eles bebido de outro Espírito e não daquele que o Senhor prometeu aos seus discípulos? Ainda que estejam possuídos de loucura tão extrema, não os considero contudo, arrebatados de tão furiosa demência a ponto de terem a ousadia de gabar-se disso. Mas, ao prometer o Espírito, de que natureza declarou ele haver de ser esse Espírito? Na verdade, era um Espírito que não falaria por si mesmo, mas, ao contrario, sugeriria a mente deles e nela instilaria aquilo que ele mesmo, Jesus, havia transmitido por meio da Palavra (Jo 16.13). Portanto, não é função do Espírito que Cristo nos prometeu desvendar novas e indizíveis revelações, ou forjar novos tipos de doutrina, pelos quais sejamos desviados do ensino do Evangelho já recebido. Ao contrario, a função do Espírito é a de selar, na nossa mente, a mesma doutrina que o Evangelho nos recomenda.

A BÍBLIA É O ÁRBITRO DO ESPÍRITO

Se ansiamos obter algum uso e fruto da parte do Espírito de Deus, podemos entender facilmente como é imperioso para nós aplicar-nos, com grande diligência, tanto a ler quanto a ouvir a Escritura. É por isso que Pedro até louva (II Pe I.19) o zelo dos que estão atentos ao ensino profético, ensino que, todavia, depois de começar a brilhar a luz do Evangelho poderia parecer ter perdido a validade. Muito ao contrário, se algum espírito, desprezando a sabedoria da Palavra de Deus, nos impõe outra doutrina, devemos suspeitar com justa razão, de que seu ensino é vaidade e mentira (Gl. 1:6-9).

Sim, porque se Satanás se transforma em anjo de luz (II Co 11.14), que autoridade poderá ter o Espírito entre nós, se não soubermos discerni-lo por meio de sinal de absoluta certeza? E muito claramente a voz do Senhor no-lo tem apontado, mas esses infelizes (embusteiros) tudo fazem por extraviar-se, buscando a própria ruína, quando buscam o Espírito por si mesmos, ao invés de busca-lo por ele próprio.

Alegam eles que é ofensivo ao Espírito de Deus - a quem tudo deve estar sujeito -, ficar subordinado a Escritura. Como se fosse, na verdade, repulsivo ao Espírito Santo ser igual a si mesmo, por toda parte, ou permanecer de acordo consigo mesmo em todas as coisas, e em não variar em coisa alguma! De fato, se fôssemos obrigados a julgar de acordo com a norma humana, angélica ou estranha, então poder-se-ia considerar o Espírito como reduzido à subordinação, e até a servidão, se se preferir. Quando, porém comparamos o Espírito consigo mesmo, e em si mesmo o consideramos, quem poderá dizer que, com isso, o estejamos ofendendo?

Confesso que o Espírito, desse modo, é submetido a um exame através do qual Ele quis fosse estabelecida a sua majestade entre nós. Ele deve ficar plenamente manifestado a nós tão logo entre no nosso coração. No entanto, para que o Espírito de Satanás não nos persuada em nome do Espírito Santo, este quer ser reconhecido por nós na imagem que imprimiu de si mesmo nas Escrituras, pois sendo ele mesmo o autor da Escritura, não pode variar nem ser inconstante consigo mesmo. Portanto, do modo como nelas se manifestou, tem de permanecer para sempre. Isto não pode ser modificado, a menos que julguemos - como dignificante -, o Espírito abdicar e degenerar de si mesmo!

A BÍBLIA E O ESPÍRITO SANTO NÃO SE SEPARAM

Quando a acusação que fazem contra nós, de que nos apegamos demasiadamente à letra que mata, acabam eles incorrendo na pena de desprezarem a Escritura. Ora, salta aos olhos o fato de Paulo (II Co 3.6), estar contendendo com os falsos apóstolos os quais, insistindo na Lei separada de Cristo, estavam, na realidade, alienando o povo da Nova Aliança, na qual o Senhor prometeu que haveria de gravar a sua Lei nas entranhas dos fiéis, e imprimi-la no coração deles (Jr. 31:33), Portanto, a letra está morta e a Lei do Senhor mata a seus leitores, guando não apenas se divorcia da graça de Cristo, mas, também, não tocando o coração, atinge só os ouvidos. Se ela, porém, por meio do Espírito, se imprime de modo eficaz nos corações e manifesta a Cristo, ela é a Palavra da vida (Fl. 2:16), que converte as almas e da sabedoria aos símplices (Sl. 19:7).

Além disso, nessa mesma passagem (II Co 3.8), Paulo chama a sua pregação de ministério do Espírito, querendo dizer com isso, sem dúvida, que o Espírito Santo de tal modo se prende à sua verdade expressa na Escritura, nela manifestando e patenteando o seu poder, que nos leva a reconhecer na Palavra a devida reverência e dignidade. E isto não contradiz o que foi dito pouco atrás quando afirmamos que a Palavra não é absolutamente certa para nós, se não for confirmada pelo testemunho do Espírito, visto que o Senhor uniu entre si - como se fosse por mútua ligação -, a certeza de sua Palavra e a certeza do seu Espírito, de maneira que a firme religião da Palavra seja implantada em nossa alma, quando brilha o Espírito, fazendo-nos contemplar a face de Deus. Do mesmo modo, reciprocamente, abraçamos ao Espírito sem nenhum temor ou engano, quando o reconhecemos na sua imagem ou, seja, na Palavra! E, de fato, é assim!

Deus não deu a Palavra aos homens tendo em vista uma apresentação passageira, que fosse abolida assim que viesse o seu Espírito. Ao contrário enviou-nos o mesmo Espírito por meio de cujo poder nos deu a Palavra, com o fim de realizar a sua obra, confirmando eficazmente a mesma Palavra. Por isso, Cristo abriu o entendimento dos dois discípulos de Emaús (Lc 24.27, 45), não para que, pondo de lado as Escrituras, esses discípulos se fizessem sábios a si mesmos, mas para que fossem capazes de entender essas Escrituras. Igualmente Paulo, quando exorta os cristãos de Tessalônica (I Ts 5.19-20) a não extinguirem o Espírito, não os eleva as altura com vãs especulações fora da Palavra, mas acrescenta imediatamente que não se deveriam desprezar a profecias. Com isso, o Apóstolo diz, de maneira não duvidosa, que quando se desprezam as profecias, a luz do Espírito fica obscurecida.

Que dirão a respeito destas coisas esses fanáticos que consideram com validas apenas esta iluminação, desprezando e dizendo adeus a Divina Palavra, sem qualquer preocupação? Não menos confiantes e temerários são eles quando se agarram ambiciosamente a qualquer coisa que conceberam enquanto dormiam! Aos filhos de Deus, certamente, convém sobriedade bem diferente, pois eles, ao mesmo tempo que, sem o Espírito, se sentem privados de toda verdadeira luz, não ignoram, todavia, que a Palavra é o instrumento pelo qual o Senhor concede aos fiéis a iluminação do seu Espírito. Os fiéis não conhecem outro Espírito senão aquele mesmo Espírito que habitou nos Apóstolos e falou através deles, e desses oráculos os fiéis são continuamente convocados a ouvir a Palavra.

Extraído de João Calvino, As Institutas da Religião Cristã - Livro I, Capítulo 9