30 setembro 2006

SALMO 72 – o Salmo do bom governante

Em todas as esferas da vida, nas quais Deus nos coloca como regentes da criação, há critérios e princípios bem definidos pela sua Palavra. Que grande bem é para todos um homem de caráter impoluto, em tudo que faz ! É isso que a nação está precisando ver em seus governantes: bom caráter e governo justo. O Salmo 72 é essa diretriz segura, que leva um homem e uma mulher responderem bem ao seu chamado para governar. A igreja deve investir no caráter, lealdade e senso de justiça de seus membros, para formar uma liderança, em todas os segmentos da vida, mais justa e comprometida com a ética cristã.

Martinho Lutero escreveu: “se para edificar cidades, fortalezas, monumentos, arsenais, se gasta uma moeda de ouro, será preciso gastar cem para instruir bem um só jovem, para que, feito homem, possa guiar os outros no caminho da honestidade. Na verdade, o homem bom e sábio é a relíquia preciosa do Estado, pois nele há mais do que nos esplêndidos palácios, do que nas montanhas de ouro e prata, do que nas portas de bronze e nas fechaduras de ferro”. É isso que a igreja tem que investir em formar: “um homem bom e sábio”, pois este é “relíquia preciosa do Estado”. Segue algumas instruções que o Salmo 72 trás para um bom governante.

Entendemos que o Salmo ultrapassa o reinado humano, e se refere também ao reinado Messiânico. Mas é a um governo humano, no primeiro momento, que o salmista está se referindo e lançando os critérios divinos de atuação deste governo. O Salmo faz uma exortação inicial de que devemos orar pelos nossos governantes (v.1). A partir daí, ele lança os critérios divinos para o governo:

1. Deve haver justiça em seu governo – Julgue ele com justiça o teu povo e os teus aflitos, com equidade (v.2). Resultado, quando a justiça é exercida, a paz se faz presente (v.3);

2. Um governo justo dá lugar ao justo – Floresça em seus dias o justo, e haja abundância de paz (v.7). Quem tem voz em um governo justo, não são os bandidos e corruptos, que chegam a dominar e fazer parar uma cidade, até mesmo quando estão atrás das “grades”. A voz é dos justos, que se levantam sem medo para opinar e influenciar a sociedade;

3. Deve haver comida para todos – Haja na terra abundância de cereais (v.16). Há uma diferença entre pobreza e miséria. Podemos aceitar que haja pobres em nossa terra, mas não miseráveis, que morrem a mingua sem quem os ajude;

4. Seu governo se volta para os pobres e necessitados – Julgue ele os aflitos do povo, salve os filhos dos necessitados e esmague o opressor (v. 4, cf. vv. 12-14). Os ricos e abastados têm como se protegerem. Os pobres e necessitados, não. São eles que os governantes devem olhar e acudir;

5. Resultados de um governo justo: 1) Há oração de louvor a Deus por eles - ...continuamente se fará por ele oração, e o bendirão todos os dias (v. 15). Paulo diz que devemos usar de súplicas e orações por nossos governantes (1Tm. 2.1,2). Mas o Salmo não fala de uma oração de súplica, socorro, mas de louvor. Todos os crentes, creio eu, tem o desejo de orar pelos seus governantes, orações de louvor, não de lamento; 2) Há o reconhecimento de outras nações que o povo está sendo abençoado pelo bom governo - ...nele sejam abençoados todos os homens, e as nações lhe chamem bem aventurado (v. 17). Todos ganham com um governo bom e justo. Mas com um governo mau e injusto, só ganham os corruptos e corruptores.

Este é o salmo do bom governante. Deus o estabeleceu para que homens e mulheres comprometidos de fato e de verdade com o evangelho de Jesus, moldem sua liderança na justiça e retidão, que procedem do Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.

Rev. Baltazar Lopes Fernandes
Pastor da Igreja Presbiteriana de Pimenta Bueno

29 setembro 2006

"Decaídos da graça"?

Exegese de Gl 5:4

Os teólogos e exegetas arminianos apreciam usar distorcidamente o texto de Gl 5:4. Por uma questão de fidelidade à um princípio básico de hermenêutica devemos primeiramente observar que no contexto Paulo neste versículo não está discutindo a respeito da doutrina Perseverança dos Santos. Mas é necessário analisa-lo, pois, nele encontramos a tão debatida expressão da graça decaístes (ARA). Os arminianos extraem a expressão do seu contexto, e a enchem de seus tolos pressupostos, para ensinar falaciosamente que um verdadeiro crente pode perder a sua salvação. Para interpretar este texto com propriedade devemos perguntar: o que realmente o autor quis dizer com “decair da graça”?

Se for aceito a interpretação arminiana de que esta passagem refere-se a perda da salvação, então, seria necessário verificar a causa de tal queda. Não há menção de Paulo, neste texto, que exista alguma causa da queda da graça que seja motivado por algum pecado. A. T. Robertson comenta que Paulo “naturalmente, não se refere aqui a pecados ocasionais, mas que tem em mente uma questão muito mais importante: a de colocar a lei no lugar de Cristo como agente da salvação.”[1]

O respeitado William Hendriksen é infeliz em seu comentário deste texto. O comentarista, embora seja calvinista, abandona o contexto e adota uma interpretação arminiana. Ele simplesmente diz "se os gálatas, sejam todos ou apenas alguns deles, buscavam justificar-se pela obediência da lei, e se persistiam até ao fim neste erro, o laço que os unia a Cristo não poderia resistir tão grande tensão. Romper-se-ia! Cairiam, pois, do domínio da graça, perderiam sua ligação à graça. Seriam como as flores murchas que caem ao chão e desaparecem."[2]

A interpretação oferecida por Hendriksen envolve uma contradição real na seqüência da salvação conforme Paulo desenvolve em seu argumento em toda a epístola. Se os gálatas estavam buscando receber a salvação pelas obras da lei, como poderiam perder a salvação que ainda não haviam obtido? Se eles procuravam justificar-se pelos próprios méritos, como poderiam perder a graça, se não a tinham? Simplesmente é uma inconsistência de termos. Hendriksen desejando ser fiel ao literalismo da expressão “decaístes da graça” tornou-se infiel a toda Escritura.[3] Discordo deste admirável comentarista, pois não é aceitável crer que Paulo esteja sustentando conscientemente uma contradição real entre os seus escritos! Porque não é possível ser verdade que um crente seja seguramente salvo, e que ainda lhe seja possível perder a salvação! O apóstolo não está meramente enfatizando a responsabilidade humana.

Quando se lê o contexto de toda a carta não há dúvida que a central preocupação de Paulo é combater a teologia judaizante. A situação histórica era de que os crentes da Galácia estavam recebendo um ensino diferente do que o apóstolo lhes havia dado (1:9; 5:7-12). Judaizantes haviam se infiltrado nas igrejas daquela região, e estavam ensinando uma salvação pela guarda da lei do Antigo Testamento, negando não a messianidade de Jesus, mas minimizando a suficiência da salvação, pela graça, em Cristo. J.Gresham Machen observa que "Paulo conclui a seção central da Epístola enfatizando a gravidade da crise, Gl 5:1-12. Não se iluda. Circuncisão, como os Judaizantes advogavam-na, não é uma coisa inocente; ela significa a aceitação de uma religião legalista. Você precisa escolher entre a lei e a graça, não é possível que seja ambas." [4]

O apóstolo está declarando que é impossível alguém obter a salvação pelo caminho da lei. Para isto usa uma metáfora para reforçar o seu argumento de alguém que se perde do caminho da graça. Não significa que este que deixa o caminho da graça já seja salvo! Mas, que ele desprezou a única causa e meio de salvação, que é pela graça somente (Ef 2:1-10), preferindo conquistar a salvação pela guarda da lei (Tg 2:10). Mas este meio é reprovado pela enfermidade do coração humano. John Murray, em seu comentário de Rm 8:3 observa que "a lei não podia vencer o poder do pecado, porque “estava enferma pela carne”. Na natureza humana, a carne é pecaminosa. A incapacidade da lei reflete-se no fato de que ela não possui qualidade ou eficiência redentora. Portanto, em confronto com o pecado, a lei nada pode fazer para satisfazer as exigências criadas pela carne."[5]

Paulo não está discutindo sobre a possibilidade de se perder a salvação, ou, de se permanecer salvo. A sua artilharia se concentra no tema da salvação pela graça de Cristo, e não pelas obras da lei. O que realmente está reprovando é a possibilidade dos pecadores alcançarem a sua salvação através dos seus méritos pessoais. De forma simples, podemos resumir que a expressão “decaístes da graça” é usada por Paulo para indicar a inútil tentativa de se obter a salvação pela justificação das obras da lei. John Murray analisando Gl 5:4 concluí que "Paulo não está aqui tratando acerca da questão se um crente pode cair do favor de Deus, e finalmente perecer; antes, ele está falando acerca do distanciamento da pura doutrina da justificação da graça em contraste com a justificação pelas obras da lei. O que Paulo está dizendo na realidade é que se tratamos de nos justificar pelas obras da lei em qualquer modo ou grau, temos abandonado a justificação pela graça, ou caído dela totalmente. Não podemos admitir uma mistura de graça e obras de justificação, é uma ou outra. Se incluírmos as obras em qualquer grau, então temos abandonado a graça e somos obrigados a praticar toda a lei (Gl 5:4)." [6]

Considerações finais

É simplesmente estranho declarar que Paulo não cria na permanência total e final dos redimidos. Se arminianos desejam rechaçar tal ensino, que o façam! Se quiserem podem até mesmo discordar de Paulo. Mas, não poderão provar que este inspirado teólogo não cria com todo o coração e coerência na doutrina de que os crentes são preservados na graça, pelo poder de Deus, com o propósito imutável de uma salvação completa. A minha oração é que firmemos o nosso zelo em interpretar fielmente as Escrituras, para que cheguemos a compreensão da unidade da verdade (Fp 3:12-16).

Se aceitarmos que o inspirado apóstolo realmente aceita e ensina que um verdadeiro crente pode decair definitivamente de seu estado de graça e perder a sua salvação, então teremos que redefinir a nossa concepção de inspiração bíblica! O autor errou voluntariamente ao entrar numa real contradição? Esta pergunta somente seria válida se não crêssemos na inspiração bíblica. Todavia, ao sustentarmos a inspiração divina cremos que o Espírito conduziu consistentemente o autor revelando-lhe toda a verdade (Jo 16:12-13).

Judith M.G. Volf, em sua tese de doutorado, após fazer um estudo detalhado em várias passagens das epístolas do apóstolo, conclui que "Paulo, basicamente, ensina uma espécie de permanência dos cristãos escolhidos por Deus, e chamados pela fé em Jesus Cristo, com base em sua eleição. Paulo está seguro de que o mesmo Deus que é o autor e doador da salvação, deseja também em amor onipotente, e ininterrupta fidelidade, completar até o fim a salvação daqueles que foram eleitos e chamados por Ele, e que em Cristo pela fé, demonstram o seu comportamento fundamental. (...) A coragem e a consistência das epístolas de Paulo caracterizam a sua visão de permanência na salvação em sua própria vida, e não há nenhum resultado claro ou importante que evidencie o contrário." [7]

Podemos concluir que, é principalmente nas epístolas paulinas que se encontram as afirmações mais expressivas em favor da preservação dos santos no estado de graça para a salvação total e final. Mesmo o texto de Gl 5:4 não nega a doutrina da Perseverança dos Santos.

Notas:
[1] A. T. Robertson, Imágenes Verbales en el Nuevo Testamento - Las Epístolas de Pablo (Terrssa, CLIE, 1989), vol. 4, p. 418.
[2] William Hendriksen, Comentário do Novo Testamento – Gálatas (São Paulo, Ed. Cultura Cristã, 1999), p. 283.
[3] Mais adiante ele diz “não devemos tentar enfraquecer a força destas palavras em favor desta ou daquela pressuposição teológica.” Após tão estranha afirmação conclui “tenhamos em mente que Paulo, aqui, fala do ponto de vista da responsabilidade humana.” Gálatas, p. 283.
[4] J. Gresham Machen, The New Testament an Introduction to its Literature and History (Edinburgh, The Banner of Truth, 1997), p. 129.
[5] John Murray, Romanos (São José dos Campos, Editora Fiel, 2003), p. 306.
[6] John Murray, La Redención Consumada y Aplicada (Terrassa, CLIE, 1993), p. 166.
[7] Judith M. Gundry Volf, Paul & Perseverance: Stayind In and Falling Away (Louisville, Westminste/ John Knox, 1990), pp. 286-287.

Rev. Ewerton B. Tokashiki

23 setembro 2006

A Consciência Política do Cristão

Nós sabemos que a política no Brasil não anda bem. São muitos os escândalos e falcatruas que enojam os cidadãos de bem. Mas também sabemos que como cristãos, estamos inseridos neste mundo, com a responsabilidade de participar na construção de um país melhor. Gostaria de meditar sobre alguns aspectos que podem tornar o cristão mais atuante e consciente com sua responsabilidade política, sendo simples como as pombas, mas prudentes como as serpentes.

Primeiramente, quero falar sobre respeito. Há uma crise de respeito em nossa sociedade. Basta olhar para os telefones públicos quebrados, pichações e outros atos de vandalismo que demonstram isso. Infelizmente, tal desrespeito também acontece com os nossos governantes. Fazemos críticas, ironias, piadas e maledicências. Sabemos que muitos governantes dão munição para isso. Mas este não é o caminho. Textos como Romanos 13, 1ª Pedro 2 nos esclarecem que nós devemos nos sujeitar às autoridades. E, ainda, toda autoridade foi instituída por Deus. 1ª Timóteo 2.1, 2 nos diz que além da submissão e da honra que devemos aos nossos governantes, temos que orar por eles. Lembremos que Deus é soberano. E seria incoerente crer na soberania de Deus e ridicularizar uma autoridade instituída por ele. Isso mina os alicerces da autoridade em nosso país. Nossos filhos imitarão nosso procedimento. E onde isso vai parar? Mesmo discordando dessas autoridades, devemos respeito a elas.

Quero discorrer agora sobre a crítica. É lícito ao cristão criticar seus governantes? Haveria incoerência entre respeita-los e critica-los? De maneira alguma. Quando governantes agem por conta própria, ou em causa própria, temos o direito e o dever de criticá-los. Lembremos que eles são nossos representantes, e não de seus próprios interesses. A Bíblia está repleta de exemplos de servos de Deus que não aceitaram atitudes de seus governantes e se opuseram a eles (Dn. 3.1-18; 6.6-10; Atos 4.18-21). Como devemos fazer nossas críticas aos governantes? Primeiramente, devemos nos lembrar que a crítica deve ser construtiva, justa e relevante, que vise o bem comum. Podemos expressar nossa reclamação ao nosso representante através de cartas, fax, telegrama, emails, audiência pessoal, entre outros modos. Quando se tratar de vereadores, podemos expor-lhes nosso pensamento pessoalmente, além de lhes sugerir projetos. Não basta só votar, nosso representante deve saber que estamos atentos. A igreja como instituição também pode fazer pronunciamentos ao Presidente da República, senadores, deputados, etc., colocando sua posição em relação a algum assunto que estejaem pauta nas esferas governamentais.

Por último quero falar sobre a participação do cristão diretamente na política. Observamos dois extremos: de um lado pessoas que aceitam qualquer político e suas ações sem nenhum critério; de outro lado pessoas que não se envolvem em política. Devemos nos lembrar que política é questão de cidadania. Como agentes do Reino não podemos ficar indiferentes a ela. Devemos agir politicamente. O que isso significa? Não é agir com “politicagem”, que é uma má utilização de algo bom. Como cidadãos, é necessário termos uma visão dos problemas que nos cercam: água, luz, esgoto, asfalto, etc. Temos que buscar soluções para eles seja através da ação de uma associação de bairros, associação de pais e mestres e outros organismosque sejam lícitos. E quando um cristão quer se envolver integralmente na política, concorrer a um mandato público? Gostaria de alistar alguns critérios que eu acho indispensáveis: compromisso profundo com Deus; testemunho de vida impecável; sabedoria extraída da Palavra de Deus; ser excelente administrador; ter vocação; procurar partidos que tenham princípios e práticas de acordo com as Escrituras; procurar se preparar para o cargo através de leituras, estudos e cursos; preocupação real com o povo; entender a política como um ministério dado por Deus, aproveitando suaposição para evangelização.

É hora de orarmos e assumirmos uma posição cristã frente aquilo que não concordamos, que achamos que não é a vontade de Deus. Se só nos lamentarmos, quem fará a política serão os maus evangélicos e homens descompromissados com a verdade de Deus. Se acordarmos e assumirmos isso também como um mandato de Deus, surgirão do nosso meio homens e mulheres compromissados com a verdade, levando uma verdadeira transformação no cenário político de nossa nação.

Rev. Baltazar Lopes Fernandes

18 setembro 2006

Os cinco pontos do Calvinismo [3]

A eleição incondicional

Somente um Deus Trino que é soberano, e pela sua imutável, infinita, perfeita e sábia vontade poderia, sem ser constrangido a isso, prover salvação a pecadores indignos. O Senhor Deus que é suficiente em si mesmo, motivado somente pela sua boa vontade e graça, visando a sua própria glória, escolheu desde toda a eternidade muitos pecadores para a salvação e decidiu deixar os demais sob a sua justa ira, para uma punição eterna, por causa dos seus pecados. A base da eleição não estava nos pecadores, mas em Si mesmo.

A eleição, portanto, não foi determinada nem condicionada por qualquer qualidade ou ato previsto no homem. A escolha divina de determinados pecadores feita por Deus não foi baseada em qualquer resposta ou obediência prevista da parte destes, tal como fé ou arrependimento. Pelo contrário, é Deus quem dá a fé e o arrependimento a cada pessoa a quem Ele escolheu. Esses atos são os resultados e não a causa da escolha divina.

O pecador nada merece de Deus. Ele é gracioso. A natureza da graça necessita ser entendida em relação aos demais atributos de Deus. O soberano Senhor deixou de dar a punição para manifestar o Seu amor redentor ao indigno pecador.

Referências bíblicas: Dt 4:37; Dt 7:7-8 / Pv 16:4 / Mt 11:25; Mt 20:15-16; Mt 22:14 / Mc 4:11-12 Jo 6:37; Jo 6:65; Jo 12:39-40; Jo 15:16 / At 5:31; At 13:48; At 22:14-15 / Rm 2:4; Rm 8:29-30; Rm 9:11-12; Rm 9:22-23; Rm 11:5; Rm 11:8-10 / Ef 1:4-5; Ef 2:9-10 / 1Ts 1:4; 1Ts 5:9 / 2Ts 2:11-12; 2Ts 3:2/ 2Tm 2:10,19/ 1 Pe 2:8 / 2 Pe 2:12 / Tt 1:1 / 1Jo 4:19 / Jd 1:3-4 / Ap 13:8; Ap 17:17

Rev. Ewerton B. Tokashiki

15 setembro 2006

Os cinco pontos do Calvinismo [2]

A depravação total

Esta doutrina também é conhecida por inabilidade total. Enquanto o nome depravação total indique os efeitos morais da corrupção que o pecado causa no ser humano, o termo inabilidade total se refere a incapacidade do indivíduo para o bem.Todavia, neste artigo será usado o termo mais conhecido.

A Escritura Sagrada ensina que cada ser humano é gerado em pecado e todas as suas capacidades estão tão moralmente corrompidas, que ele é chamado “morto em seus delitos e pecados” (Sl 51:5; Ef 2:1-3). Nem todo ser humano é tão mal em suas realizações como conseguiria ser, mas, o seu coração é naturalmente inclinado para o mal. Mesmo as suas melhores ações estão manchadas pela essência pecaminosa.

Todo ser humano, sem excessão, em seu estado natural é inteiramente corrupto e completamente pecador. Ninguém é isento de culpa diante do santo Deus, não há inocentes por nascimento. Não somente a raça humana, mas toda a criação está totalmente contaminada pelo pecado (Gn 3:17; Rm 8:19-22). Por natureza o pecador é um contumaz e indisposto inimigo do santo Deus (Rm 8:18-25). O salário do seu pecado é a morte eterna (Rm 6:23). Esta situação estabelece a necessidade de redenção; mas, o pecador por si mesmo, é absolutamente incapaz de preparar-se, ou de providenciá-la para si (Rm 7:7-25).

O pecado não afetou o ser humano apenas moralmente, mas em todas as suas capacidades. Os sentimentos, o raciocínio e a sua vontade estão funcionando desordenadamente, de modo que, sentimentos indesejáveis [como a mágoa] são difíceis de serem controlados, pensamentos impuros surgem sem serem premeditados, e desejos quando inflamados tornam-se altamente destrutivos.

Perdeu-se o livre arbítrio. Esta capacidade de agir contrário a natureza foi algo que apenas os nossos primeiros pais possuíram, perdendo na Queda. A depravação total implica inclusive na inabilidade de uma obediência perfeita e aceitável, porque a vontade é escrava do pecado.

Referências bíblicas:Gn 2:17; Gn 6:5; Gn 8:21 / 1Rs 8:46 / Jo 14:4 / Sl 51:5 / Sl 58:3 / Ec 7:20 Is 64:6 / Jr 4:22; Jr 9:5-6; Jr 13:23; Jr 17:9 / Jo 3:3; Jo 3:19; Jo 3:36; Jo 5:42; Jo 8:43,44 / Rm 3:10-11; Rm 5:12; Rm 7:18, 23; Rm 8:7 / 1Co 2:14 / 2Co 4:4 / Ef 2:3 / Ef 4:18 / 2Tm 2:25-26 / 2Tm 3:2-4 / Tt 1:15

Rev. Ewerton B. Tokashiki

03 setembro 2006

Os cinco pontos do Calvinismo [1]

O acróstico TULIP que é o mais conhecido esboço do Calvinismo resume os cinco pontos das doutrinas das Igrejas Reformadas. Mas, quem escreveu? Com este artigo histórico inicia uma série de exposições de seis artigos acerca dos cinco pontos do Calvinismo. É claro que existem livros que poderiam comentar estas doutrinas com mais profundidade e vigor, mas deixo minha participação para o conhecimento das doutrinas da graça.[1]

Sabemos que no século XVI a Reforma protestante estava em desenvolvimento e transformando as convicções religiosas em vários países da Europa. A Holanda havia adotado a doutrina reformada, conforme ensinada por João Calvino e os reformadores da Suíça. Em 1618, A Igreja Holandesa endossou como seus símbolos de Fé: a Confissão Belga [escrito por Guy de Brés, em 1561] e o Catecismo de Heidelberg [escrito por Caspar Olevianus e Zacharias Ursinus, em 1563], ambos escritos essencialmente Calvinistas. No início, foram usados apenas como livros de instrução. Mas, ao serem adotados como documentos oficiais de doutrina do Estado holandês, trouxeram muito desconforto para aqueles que advogavam manter a antiga fé Católica, ou, uma postura não Calvinista.

Jacob van Harmazoon (1560-1609), ou como é conhecido por seu nome latinizado Jacobus Arminius, nasceu em Oudewater na Holanda. Primeiro estudou teologia na Universidade Marburg em Leyden (1575-1581), também estudou em Basiléia (1582-1583), e posteriormente na Academia de Genebra na Suíça (1584-1586), onde recebeu aulas do próprio reformador Theodoro Beza, sucessor de João Calvino. Após a morte de Arminius (1609) os seus seguidores, aproximadamente 46 teólogos, se reuniram na cidade de Gouda, e apresentaram um documento chamado Articuli Arminiani sive Remonstrantia [Artigos dos Arminianos, ou Protesto]. Neste documento demonstravam que espécie de teologia estava sendo adotada em protesto à religião oficial do Estado.

Por causa deste incidente a Igreja Holandesa através de um concílio foi obrigada a se declarar com maior clareza acerca destes novos pontos doutrinários ensinados pelos Arminianos. O sínodo reuniu-se na cidade de Dordrecht, em 13 de novembro 1618, até 9 de Maio de 1619. Este concílio foi formado por teólogo reformados não somente holandeses, mas também procedentes de outras partes da Europa. O sínodo holandês confirmou a doutrina Calvinista como sendo a religião oficial do Estado, rejeitou o ensino Arminiano, e redigiram um documento doutrinário conhecido como Cânones de Dort.[2]

Como parte essencial do conteúdo dos Cânones de Dort está o sistema doutrinário conhecido como Calvinismo. Os cinco pontos do Calvinismo são o resumo mais conhecido da cosmovisão reformada.[3] Embora eles não se encontrem expressos nos escritos de João Calvino, pode se dizer, sem erro, que estão inerentemente presentes em todo o seu sistema doutrinário a ponto de terem tomado emprestado o nome do reformador francês. Cremos neste sistema doutrinário, não simplesmente porque Calvino o ensinou, mas porque ele é o claro ensino das Escrituras. Calvino apenas foi muito feliz em sistematizar estas doutrinas com tamanha coerência que o seu impacto tornou-se permanente entre os reformadores até os dias de hoje.

Mas deve ficar claro que a sua riqueza teológica não se limita a este esboço. Esta breve apresentação de seis artigos do Calvinismo deve servir de incentivo para uma pesquisa mais detalhada do seu conteúdo.

[1] Homer C. Hoeksema, The Voice of Our Fathers – An Exposition of the Canons of Dordrecht (Grand Rapids, RFPA, 1980).

[2] Os Cânones de Dort (São Paulo, Editora Cultura Cristã, s/d.).

[3] Para um estudo mais amplo do Calvinismo indico a leitura de Abraham Kuyper, Calvinismo (São Paulo, Ed. Cultura Cristã, 2002).

Rev Ewerton B Tokashiki

01 setembro 2006

O "reigrejar" do Pentecostes

Com o derramamento do Espírito, o qahal, o povo de Deus consolidado no Antigo Testamento, chegou a ser a ekklesia, o corpo de crentes constituído pelos “chamados de fora” no Novo Testamento. Esta transição histórica, redentora, reflete tanto a continuidade como descontinuidade com o passado.

No Pentecostes a igreja não nasceu, senão que renasceu. Teve lugar à atualização. A humanidade renovada estava amadurecendo. Todavia, a história da igreja como povo de Deus retrocede ao passado, ao começo, ao chamado daquela primeira comunidade humana de “passear com Deus na viração do dia”, e de ser seus mordomos no meio da criação. Como resultado da queda, como imagem de Deus nos “desigrejamos”. Então Deus interveio com a sua graça para “reigrejar” a humanidade caída por meio da linhagem dos crentes Sete, Enoque, e Noé.Com o chamado de Abraão começou a existir a fase da igreja do Antigo Testamento, como um povo escolhido para preparar o cominho do Messias que viria. Por isso, Israel é a oliveira original de Deus. Mesmo que algumas de suas ramas tenham se perdido, a raiz ainda vive. Nessa raiz recebe a vida (Rm 11:17-21).

Com o Pentecostes os gentios compartilham das riquezas do “bem comum de Israel”. Porque Cristo derrubou “o muro da separação da inimizade” entre judeus e gentios, criando assim “uma nova humanidade no lugar de duas”. Agora, todos têm “acesso no Espírito ao Pai, e são “membros da família de Deus”, um “templo santo no Senhor”. Esta grande reunião se baseia em fundamentos lançados no testemunho conjunto dos apóstolos e dos profetas (Ef 2:11-22). Por isso, Estevão podia falar da presença de Cristo “na igreja no deserto” (At 7:38). Esta igreja do deserto bebeu da “Rocha espiritual... e a Rocha era Cristo” (1 Co 10:4).

Extraído de Gordon J. Spykman, Teologia Reformacional - un nuevo paradigma para hacer la dogmática (Jenison, TELL, 1994), p. 468

Traduzido por Rev Ewerton B Tokashiki

A semântica teológica

Quando nos lançamos à tarefa de estudar teologia precisamos perguntar se a linguagem humana é adequada para expressar corretamente os conceitos de Deus? Que categoria de linguagem deve-se usar? Respondendo estas perguntas Gordon H. Clark nos declara que
o debate sobre se a linguagem é adequada para expressar a verdade de Deus é uma questão falsa. As palavras são meros símbolos ou sinais. Qualquer sinal seria adequado. A questão real é: um homem tem a idéia para ser simbolizada? Se podemos pensar sobre Deus, então ele podemos usar o som Deus, God, Theos, ou Elohim. A palavra não faz nenhuma diferença, e o sinal é ipso facto literal e adequado.[1]

Lançando mais luz sobre o assunto Vincent Cheung observa que
quanto à linguagem positiva e negativa sobre Deus, há aqueles que insistem que pelo menos algumas coisas sobre Deus só podem ser expressas em linguagem negativa. De qualquer modo, até agora me parece que posso facilmente tornar em linguagem positiva qualquer exemplo que seja dado em favor dessa afirmação.[2]

Será que, quando usamos as mesmas palavras, estamos falando a mesma linguagem? Esta pergunta pode bem ser esclarecida pelo uso teológico da palavra revelação. Independentemente do adjetivo que acrescentarmos ao verbete revelação (geral ou especial) teremos que perguntar o que este, ou aquele autor quer dizer com isto. Bernard Ramm criticando os teólogos existencialistas e os pós-bultmanianos observa que embora, tais escritores fizessem da revelação algo “existencial”, “dialógico”, ou “de encontro”, ao invés de doutrinário ou proposicional, pelo menos reconhecem que se a revelação há de ser um conceito teológico sólido, deve ter sido dada em certo sentido, ou seja: teve em Deus a sua origem.[3]

Mesmo entre aqueles que se apresentam como “conservadores” que crêem na inerrância, mas negam a doutrina da suficiência das Escrituras encontramos uma concepção doutrinária da revelação muito similar ao da neo-ortodoxia. O teólogo pentecostal Jack Deere faz uma bizarra dicotomia entre a “voz de Deus” e a Escritura Sagrada. Antes de se tornar pentecostal ele reconhece que
a única parte da linguagem do Espírito Santo que eu podia entender era o texto escrito da Bíblia. Eu até duvidava de quanto do meu entendimento era simplesmente interpretação tradicional a mim transmitida através dos anos por vários professores e quanto era realmente fruto da iluminação do Espírito Santo.[4]

Em outro lugar, Deere declara abertamente que a revelação além de ser distinta das Escrituras, não é algo que necessariamente seja proposicional. Segundo este autor é possível que “o Senhor lhe conceda uma revelação verdadeira sobre a igreja ou sobre alguém que você conheça. Talvez a tenha em sua meditação nas Escrituras, num sonho, numa visão ou numa impressão.”[5] Fica claro que para Deere a revelação especial que Deus nos dá não é a Escritura, nem mesmo necessariamente ela é proposicional ou doutrinária. É algo que pode ser um “encontro subjetivo” ou uma “impressão psicológica”. Nisto não há diferença entre a opinião de Jack Deere e os teólogos existencialistas, ou barthianos. Aqui o Pentecostalismo e a neo-ortodoxia andam de mãos dadas!

Não podemos ignorar a sutileza semântica da neo-ortodoxia. Paul Tillich é um exemplo perfeito do que acontece quando existe a falta de um compromisso com perspectiva conservadora sobre as Escrituras. Vernon C. Grounds analisando a teologia de Tillich comenta que
seja o que mais se possa dizer acerca do conceito de Deus sustentado por Tillich, é claramente um repúdio daquilo que aquele nome historicamente tem denotado. Tillich, que declara que ‘a atitude anti-sobrenatural’ é fundamental para a totalidade do seu pensamento, dedica-se inequivocamente à destruição do conceito tradicional.[6]
(...)
uma realização intelectual impressionante, esta correlação da teologia e da filosofia nos dá um conceito de Deus que não tem relacionamento senão só por nome com o Deus da Bíblia: o Deus de Tillich é um Deus a quem não podemos orar e com quem não podemos ter comunhão. Não podemos, na realidade, nem sequer fazer alusão apropriada à existência-própria como sendo Ele, visto que a existência-própria em si está além de todos os predicados. Este sistema, que exclui o Trinitarismo bíblico, também exclui uma encarnação real, e propõe uma cristologia que é uma espécie peculiar de adopcionismo. Visto que não postula Queda histórica alguma, e equipara o pecado com a alienação mais do com a rebelião, sua soteriologia desconhece um sacrifício vicário que obtém a justificação do pecador.
[7]

É falacioso concluir que a mera mudança da terminologia bíblico-teológica significa aperfeiçoamento de conceitos. Infelizmente, teólogos têm adotado um câmbio de termos, abandonando a linguagem da teologia clássica, adaptando não somente as palavras, mas essencialmente o seu significado. Temos, por exemplo, o Open theism, bem como a Teologia Feminista realizando um esvaziamento semântico das palavras bíblicas e expressões teológicas. É incrível, por exemplo, como o Open theism prefere construir sobre uma base escorregadia dizendo que podemos crer num Deus soberano, todavia, não podemos saber o quão soberano Ele é, pois, temos que descobrir o quanto soberano Ele ainda pode ser. Avaliando criticamente a Teologia Feminista, John Frame observa que
como temos visto, os nomes de Deus são de grande importância teológica. Eles revelam-no. Não existe razão para assumir que as proporções das figuras masculinas e femininas não são parte desta revelação da sua natureza. Embora Johnson e outras insistem, entendo que uma mudança na balança da figura sexual não é teologicamente neutra; isto mudaria o nosso conceito de Deus. Por acaso temos o direito de mudar nosso conceito bíblico de Deus?[8]

Infelizmente mesmo existindo dicionários teológicos, não podemos pressupor que todas as palavras possuem o mesmo significado nas diferentes escolas teológicas. Não podemos ignorar que existe a necessidade de definirmos cuidadosamente o nosso vocabulário teológico a partir da posição [conservadora] que adotamos. Permita-me esclarecer o que estou dizendo, quando usamos rótulos não estamos identificando apenas a nossa postura, mas expondo todo o nosso conjunto de convicções. Os adjetivos conservador, pressuposicionalista, calvinista, presbiteriano, cessacionista, amilenista em si já definem a linguagem teológica pelos pressupostos que cada posição exige. Para se estudar teologia, ou qualquer outra disciplina é necessário sempre verificarmos se estamos falando o mesmo idioma, ou se impera entre nós uma Babel teológica.

Notas:

[1] Gordon H. Clark, Logic, in: www.monergismo.com/textos/filosofia/logica_linguagem_clark.pdf (09/03/06).

[2] Vincent Cheung, Captive to Reason, in: www.monergismo.com/textos/apologetica/deus_linguagem_cheung.htm (09/03/06).

[3] Bernard Ramm, A Teologia de Schleiermacher a Barth e Bultman in: Stanley Gundry, ed., Teologia Contemporânea (São Paulo, Ed. Mundo Cristão, 1987), p. 37.

[4] Jack Deere, Surpreendido com a voz de Deus (São Paulo, Ed. Vida, 1998), p. 165.

[5] Jack Deere, Surpreendido com a voz de Deus, p. 190.

[6] Vernon C. Grounds, Precursores da teologia radical dos anos 60 e 70 in: Stanley Gundry, ed., Teologia Contemporânea, p. 99.

[7] Vernon C. Grounds, Precursores da teologia radical dos anos 60 e 70, p. 103.

[8] John M. Frame, The Doctrine of God (New Jersey, P&R Publishing, 2002), pp. 382-383.

Rev Ewerton B Tokashiki